A gestão da ex-governadora Vilma de Faria, do PSB, acabou há mais de três anos, contudo, judicialmente, ela continua tendo desdobramentos – apesar de Vilma seguir ilesa em meio aos indícios de irregularidades. Na manhã de hoje, o Tribunal de Justiça divulgou o recebimento de mais uma denúncia de improbidade administrativa ocorrida na administração da presidente do PSB no RN. Desta vez, referente a uma suposta fraude em licitação e superfaturamento ocorrido na Fundação José Augusto (FJA).

A denúncia, movida pelo Ministério Público do RN, por meio do promotor de Justiça Afonso de Ligório, foi recebida pelo juiz Airton Pinheiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal. As irregularidades teriam ocorrido entre o período de 2003 e 2006, mas o processo estava parado há um bom tempo na Justiça Estadual. Foi revista agora, como parte da ação da Comissão de Aperfeiçoamento da Meta 18 do CNJ, da qual o juiz Airton Pinheiro faz parte, e deve ter cumprimento urgente.

Segundo o magistrado, foram deferidos já de forma imediata o pedido de quebra de sigilo bancário da JW Refrigeração, empresa que teria se beneficiado no esquema, e de Waltenir Ramos da Silva, Haroldo Sérgio Menezes Correia e Sérgio Wiclife Borges de Paiva, referente ao período de março a maio de 2004, devendo ser oficiado o Banco do Brasil para que remeta aquele Juízo as informações bancárias do período (extrato, cópia de cheques) no prazo de 15 dias, bem como, aos demais bancos indicados na consulta Bacenjud que os acusados tenham conta.

 

Em atenção ao sigilo bancário, ele determinou que as informações fornecidas pelos Bancos deverão ser mantidas em envelope pardo, em anexo aberto no presente feito exclusivamente para a manutenção dos dados sigilosos, cujo acesso (do anexo) será exclusivo dos advogados habilitados nos autos, procurador do Estado e Ministério Público.

 

Segundo a ação, além da empresa, são réus no processo: José Antonio Pinheiro da Câmara Filho, Laércio Bezerra de Melo, Sérgio Wiclife Borges de Paiva, José Genivaldo da Silva Santos, Haroldo Sergio Menezes Correia e François Silvestre de Alencar. Este, vale lembrar, é ex-diretor da FJA e também aparece como um dos réus do processo resultante do “Foliaduto”, que foi a contratação de bandas para se apresentar em shows que jamais existiram durante a administração Wilma de Faria.

 

Quando julgou a matéria, o juiz comentou que, da análise que fez da única resposta dos acusados, frente aos documentos anexados aos autos que demonstram a prática de ato ilícito, ele reconheceu que os acusados não conseguiram demonstrar cabalmente a anulação das imputações. Por isso, impõe-se o recebimento desta denúncia contra todos os requeridos.

 

“A simples leitura do dispositivo legal acima deixa patente que a rejeição ao recebimento da ação somente se dará quando a resposta preliminar dos requeridos elidir cabalmente a ocorrência de ato de improbidade ou lograr afastar completamente a participação do requerido na conduta irregular – vige o princípio do in dubio pro societatis, à semelhança da fase do sumário da culpa no Processo Penal em crimes contra a vida”, apontou o juiz em sua decisão.

 

Quanto ao pedido de quebra de sigilo bancário, diante da natureza das imputações (desvio e apropriação de verbas públicas), entendeu que a providência mostra-se necessária, na medida em que poderá demonstrar: o caminho dos bens desviados em prejuízo do erário e/ou o enriquecimento ilícito do agente ou de terceiro beneficiado.

 

MP aponta fraude em dispensa de licitação e superfaturamento

 

O MP afirmou que, através de investigação, foi revelado um esquema fraudulento nas contratações realizadas com dispensa/inexigibilidade de licitação pela Fundação José Augusto para manutenção e assistência técnica dos aparelhos de ar condicionado da própria Fundação, do Teatro Alberto Maranhão, da Pinacoteca do Estado, do Instituto de Música e do Centro Cultural Adjunto Dias Durante o período de 2003 a 2006.

 

De acordo com os autos, em fevereiro de 2004, por ordem de Laercio Bezerra, Haroldo Sergio, José Antonio Pinheiro e Sérgio Wiclife, a JW Refrigeração foi contratada pela Fundação José Augusto para prestação de serviço de recuperação da central de ar condicionado do Teatro Alberto Maranhão, por meio de procedimento de inexigibilidade de licitação, sob a justificativa de que tal empresa possuía notória especialização nas marcas dos condicionadores de ar lá existentes (Mycom), com peças exclusivas e muito tempo de atuação no mercado.

 

No entanto, o MP afirmou que, conforme a investigação, a exclusividade não existia, vez que através de comunicado oficial da empresa Mycom foi informado que não havia empresas habilitadas para prestarem assistência técnica em Natal e que o esquema fraudulento de contratação foi todo realizado com ciência das partes envolvidas sobre a irregularidade do procedimento, tanto com relação à ausência de exclusividade pela empresa como quanto ao superfaturamento do valor do objeto do procedimento de inexigibilidade, no montante de R$ 86,5 mil.

 

Em relação à inexigibilidade indevida de licitação, constatado a partir do Inquérito Civil nº 220/06, o MP narrou que o Sérgio Wiclife participou diretamente da entrega do dinheiro à JW Refrigeração, na pessoa de José Genivaldo da Silva, e estava à frente de todo o processo por ser, à época, o responsável pelo setor de engenharia da Fundação.

 

E mais: na oportunidade do pagamento referente aos serviços prestados, compareceram à agência bancária a pessoa de Waltenir Ramos da Silva e os demandados José Genivaldo da Silva e Sérgio Wiclife. Do valor de R$ 80,9 mil que foi depositado na conta de titularidade da demandada JW Refrigeração, como pagamento do serviço contratado pela FJA, apenas R$ 5,14 mil ficou na conta. Por isso, o MP acredita que esse seria o valor real do serviço prestado.

 

Além disso, o montante de R$ 47,5 mil foi sacado e, em seguida, depositado na conta corrente da empresa Multiclimatização Ar Condicionado Ltda como pagamento pelos bens descritos em nota fiscal e o valor restante, R$ 28,3 mil foi entregue ao demandado Sérgio Wiclife em espécie, não havendo nada comprovado quanto a sua aplicação. Ou seja, além de o valor constante do processo de inexigibilidade ter sido superfaturado, outras aquisições foram feitas em desobediência ao regime legal de licitação, incorrendo os demandados Sergio Wiclife, Haroldo Sergio e José Genivaldo na pratica de ato de improbidade.

 

OUTRAS DENÚNCIAS

 

É importante lembrar que essa não foi a única denúncia recebida pela Justiça Estadual anos após o fim da administração Vilma de Faria. Em abril, por exemplo, o juiz Bruno Lacerda Bezerra, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Natal, recebeu uma Ação Civil de Improbidade Administrativa ajuizada também pelo Ministério Público, contra o ex-secretário estadual do Planejamento e das Finanças (Seplan), Wagner Araújo, e a Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn).

 

De acordo com o promotor Giovanni Rosado Diógenes Paiva, que assina a Ação, o ex-secretário firmou convênio com a Femurn, em 2004, com o objetivo de promover o repasse de recursos financeiros destinados, em tese, a contribuir com o fortalecimento dos municípios potiguares. A ajuda se consolidaria na condição de “esclarecimentos técnicos e apoio”. No entanto, frisou, o representante do MPE, as investigações empreendidas acerca da regularidade do convênio revelaram que a intenção era, desde o princípio, custear despesas internas da entidade.

 

O MPE sustenta que houve desvio de finalidade na feitura do convênio. Além disso, no curso das investigações, descobriu que, mesmo o objetivo central e aparente da parceria não seria possível porque não se inclui entre as incumbências da Seplan a celebração de convênios nos moldes travados com a Femurn.

 

Ao receber a Ação Civil, o juiz Bruno Lacerda destacou que ao analisar as provas apresentadas pelo promotor – e diante da ausência de manifestação dos acusados – não se convenceu da inexistência de atos de improbidade no caso. “Pelas razões adiante expostas, entendo por bem receber a presente ação, possibilitando, através de um devido processo legal, a investigação dos fatos descritos na exordial”, concluiu.

Fonte: Ciro Marques – Jornal de Hoje