Por Carlos Newton

O fenômeno João Santana é fruto da sinceridade do marqueteiro Duda Mendonça, que conseguiu eleger Lula presidente da República na quarta tentativa, como ocorrera antes apenas na França com o socialista François Mitterrand, que foi o primeiro tríplice coroado, digamos assim. Quando houve o mensalão, descobriu-se que Duda Mendonça havia recebido o equivalente a R$ 11,9 milhões numa conta no exterior. Na CPI que apurou o escândalo, o marqueteiro admitiu a culpa com tristeza, chegou a chorar diante dos parlamentares. O Supremo foi condescendente com ele, não recebeu condenação por lavagem de dinheiro, apenas pagou uma multa por sonegação e seguiu em frente.

Os petistas ficaram furiosos com Duda Mendonça, alegaram que se tratava de Caixa 2, prática adotada por todos os partidos, o Supremo também foi condescendente com a legenda, nada aconteceu e Lula saiu incólume. Além de não ter sofrido a hemorragia política que os tucanos esperavam (“deixem ele sangrar”, diziam), o presidente ficou politicamente mais forte, ganhou um novo mandato e ainda teve robustez para eleger e reeleger um poste (e bota poste nisso…) em sua sucessão, vejam que a política tem “razões que a própria razão desconhece”, como na música popular de Marino Pinto e Zé da Zilda.

Na campanha para reeleger Lula, em 2006, o PT contratou o também baiano João Santana, que tinha sido sócio de Duda Mendonça e havia trabalhado com ele na histórica eleição de 2002. Surgia assim o atual fenômeno da marquetagem que tem levado o partido a muitas vitórias e algumas derrotas, pois não se pode esquecer o naufrágio das candidaturas das senadoras Marta Suplicy e Gleisi Hoffmann às prefeituras de São Paulo e Curitiba em 2012.

MEU MUNDO CAIU

A música popular explica tudo. Na segunda-feira, ao mesmo tempo em que o jornalista Paulo Peres publicava aqui na Tribuna da Internet a letra de Lupícinio Rodrigues que diz “nunca, nem que o mundo caia sobre mim”, na República Dominicana o mundo literalmente desabava sobre João Santana e a mulher Mônica Moura, que jamais serão os mesmos e já estão atrás das grades em Curitiba.

No Planalto, a Operação Acarajé explodiu segunda-feira como uma bomba. Embora a presidente Dilma não precise mais de marqueteiro eleitoral, pois sua carreira acabou e ela não se elege nem síndica do edifício Solaris, a participação de João Santana continuava sendo fundamental. O marqueteiro funcionava como o 40º ministro que faltava, era o único que a presidente respeitava e obedecia, como se fosse uma versão imberbe de Rasputin. Sem a ajuda de Santana, Dilma já teria sido derrubada há tempos.

Agora, a presidente terá de se virar sozinha, pois os ministros do núcleo duro são como ela, incapazes de dar seguimento a um raciocínio lógico. Mais um pouco e Dilma terá de se socorrer novamente com Aloizio Mercadante, que pelo menos sabe concatenar ideias, embora não seja nenhuma Brastemp, como disse o ainda senador Delcídio Amaral em sua mais recente declaração autobiográfica, ao desmentir que esteja disposto a denunciar outros parlamentares corruptos, caso seja cassado

INFERNO ASTRAL

O fato é que Lula, Dilma e o PT parecem estar vivendo uma fase de eterno inferno astral. Tudo dá errado para eles. Esta semana começou muito mal, com o movimento pelo impeachment ganhando força na Câmara e os líderes da oposição pressionando o Supremo a votar logo a ação sobre o rito do impeachment. Ao mesmo tempo, na Justiça Eleitoral caminham com celeridade os processos para cassar a chapa Dilma/Temer, agora abastecidos com quase 2 mil páginas de documentos enviados pelo juiz federal Sérgio Moro.

Como diz o ministro Teori Zavascki, o pior sempre está para vir. A oposição agora quer saber detalhes sobre a forma de pagamento ao marqueteiro João Santana em conta no exterior, com uso de dinheiro proveniente de propinas, através da participação de altos executivos da Odebrecht… O Planalto sabe de tudo, é claro, porque foi o atual ministro Edinho Silva que autorizou os pagamentos, como tesoureiro e responsável pelas finanças da campanha, mas os petistas alegam desconhecer a maneira como o partido pagou ao marqueteiro nessas campanhas, vejam a que ponto chega a desfaçatez aqui “do lado de baixo do Equador”, no dizer musical de Ruy Guerra e Chico Buarque.

QUESTÃO DE TEMPO

A derrocada final de Lula, Dilma e do PT é apenas uma questão de tempo. Junto com os documentos sobre a contaminação das campanhas do PT com recursos oriundos do esquema de propinas da Petrobras, o juiz Sérgio Moro encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral a lista das testemunhas que confirmam os crimes da chapa Dilma/Temer. Realmente, a coisa está pavorosa.

Ao mesmo tempo, a situação complica-se para o ex-presidente Lula no Ministério Público Federal (tráfico de influência em benefício da Odebrecht) e no Ministério Público de São Paulo (tríplex e sítio em Atibaia). Sem falar na delação premiada de Otávio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, e na possibilidade de delação premiada também do senador Delcídio Amaral, que podem significar mais problemas insanáveis.

Como dizia Tom Jobim nas suas retumbantes águas de março, que este ano chegaram em fevereiro, fechando o verão – “é a lama, é a lama”. A música popular realmente explica tudo.