Por Jorge Béja

Uma recente ação no Supremo Tribunal Federal (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 409), da autoria do PDT e apresentada contra o presidente Michel Temer, e dois projetos de lei (nºs 4372/2016 e 4577/2016) da autoria de deputado federal, o petista-RJ Wadih Damous, parecem contrariar o anseio do povo brasileiro, que é o de ver o país retomar o rumo da normalidade social e política e a busca pela paz social. Na referida ADPF, o PDT pede ao STF que expeça ordem para que Michel Temer mantenha o mesmo esquema de administração da presidente afastada Dilma Rousseff, sem nomeação de outros ministros, sem fusão e extinção de secretarias, sem alteração na política externa…

Ou seja, enquanto Michel Temer exercer a presidência da República, em substituição a Dilma, não mexa em nada e mantenha tudo como Dilma deixou, ao ser afastada do exercício do cargo por força da abertura do processo de impeachment pelo Senado Federal. Já os projetos de lei pretendem alterar a legislação sobre delação premiada, que ficaria mantida desde que o acusado se encontrasse solto (PL nº 4372/2016).

E no tocante à imediata prisão de um condenado pela segunda instância (tribunal), que os recursos, extraordinário e especial apresentados contra a condenação imposta pelo tribunal passem a ter efeito suspensivo. Com isso, o condenado somente seria recolhido ao cárcere se aqueles dois últimos recursos não fossem acolhidos e providos pelo STF e STJ, respectivamente (PL nº 4577/2016). Eis, em apertada síntese, o objeto da ADPF nº 409 e dos projetos de lei do petista Damous.

 

NÃO CABE ADPF

 

De início, o instrumento da ADPF para a finalidade pretendida pelo PDT não é adequado, uma vez que não existe preceito fundamental que tenha sido descumprido por Michel Temer. Quando o PCdoB ingressou com aquela famosa ADPF 378 que alterou o rito do processo do impeachment, ao menos num ponto a referida ação tinha embasamento legal. Isto porque a Constituição de 1988 passou a dispor que, no caso de impeachment, o afastamento do presidente da República somente se daria após o Senado Federal decidir sobre a abertura do processo, ao passo que a Lei nº 1079 de 1950 dispunha que o afastamento seria consequência imediata da aprovação da abertura do processo pela Câmara dos Deputados. Daí porque a ADPF foi necessária para que o STF decidisse, como de fato decidiu, pela prevalência da Constituição Federal de 88 sobre a lei de 50. Mas nesta recente ADPF do PDT não se vê um preceito fundamental que Micheal Temer tenha inobservado.

Talvez fosse até possível – em tese – ação direta de inconstitucionalidade ou outro remédio jurídico adequado, menos uma ADPF. Eis a primeira barreira que o PDT vai encontrar pela frente e que precisa ser ultrapassada. Caso contrário, a ação será indeferida, pelo relator e/ou pelo plenário do STF.

 

LÓGICA, RAZOABILIDADE E CONTRASSENSO

Quanto ao mérito, a Constituição Federal dispõe que o vice-presidente da República substitui o presidente no caso de impedimento e o sucede quando houver vacância do cargo. Só isso e nada mais que isso. Não disciplina o que o vice, no exercício da presidência, pode ou não pode fazer. Ora, não é razoável que o vice-presidente, ao assumir transitoriamente e por poucos dias (como acontece quando o presidente viaja ao exterior), venha alterar os membros e integrantes da administração federal. Tudo deve permanecer como estava quando o presidente reassumir o cargo, que dele se afastou momentaneamente. Ou até mesmo por motivo de doença que não o torne, de antemão, definitivamente impossibilitado e sem a mínima condição de exercer o cargo. Mas no caso de um impedimento por 6 meses, também não é razoável nem muito menos lógico que, ao assumir a presidência, o vice-presidente não exerça o cargo de presidente da sua plenitude, mormente quando o país se encontra afundado na sua pior crise da história, social, financeira, política e moral. E defrontando-se com uma corrupção institucionalizada da qual muitos poucos se salvam e dela estão fora.

É princípio-mor do Direito Brasileiro que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Lei nº 12.376, de 30.12.2010). Não é justo e nem atende às exigências do interesse nacional, e muito menos ao fim social, que Michel Temer, ao assumir a presidência da República, se visse obrigado a governar o país com os mesmo ministros e mesmos ministérios e a mesma política do fracassado governo Dilma. Seria um contrassenso se isso acontecesse. Seria uma verdadeira e autêntica “capitis diminutio” (desmoralização de si próprio e do exercício da presidência) que Michel Temer causaria a ele próprio e ao povo brasileiro, que clama por mudança, por moralidade, pela normalização deste país, mesmo sem ter a certeza que essa mudança vai dar certo. Mas sempre há esperança, ainda que frágil. “Deus é brasileiro”, bradou João Paulo II quando nos visitou.

 

RETROCESSO

 

Os projetos de lei do deputado petista Wadih Damous não atendem aos interesses nacionais. E serão desastrosos, se forem aprovados. Foi a delação premiada que proporcionou, até aqui, conforme atualização do promotor público federal Deltan Dallagnol, 179 pessoas acusadas, 84 réus condenados, 92 pedidos de cooperação internacional, 43 acordos de colaboração, 411 mandados de busca e apreensão e 2,9 bilhões de reais já recuperados e devolvidos aos erário nacional, em razão do desfalque perpetrado contra a Petrobras e como consequência da bem sucedida Operação Lava Jato.

Ninguém foi preso para ser forçado a delatar. Ninguém foi submetido à tortura e nem mesmo a constrangimento. Pelo contrário, os acordo de delação foram espontâneos e vantajosos para quem os firmou. Não se tem conhecimento de uma ordem expedida pela instância superior que tenha cassado qualquer decisão do juiz federal Sérgio Moro. E como houve recursos! para o TRF do Paraná, para o STJ, para o SFT…

 

DELAÇÃO E LIBERDADE

 

Acabar com a delação premiada, ou restringi-la somente a acusado ou réu que esteja em liberdade (solto, como consta do PL 4372/2016) representa a inutilidade do instituto que em boa hora se tornou lei no Brasil. Também deixar em liberdade quem já foi condenado pela 2º instância (por um tribunal) até que se esgotem os recursos ao STJ e ao STF é premiar o criminoso e permitir, por muitos anos ainda, que ele volte a delinquir tantas vezes quantas forem as ocasiões que apareçam. Ele sabe que nada lhe acontecerá. Que a lei é frouxa. Que a justiça é lenta. Que a lentidão leva à prescrição. Que vale a pena corromper e ser corrompido. Que roubar, matar, sequestrar, furtar, traficar pessoas e substâncias entorpecentes e praticar tudo quanto é crime, nada isso oferece o menor perigo para o criminoso.

 

ARGUMENTAÇÃO

 

E aqui vai um argumento para que o deputado federal dr. Wadih Damous – que por muitos anos presidiu o Sindicato dos Advogados do RJ e depois foi eleito presidente da Seccional da OAB no RJ – ler e responder. Recurso Extraordinário e Recurso Especial são inadmitidos quando a pretensão é o reexame de matéria de fato, de provas. Tanto o STF quanto o STJ são Cortes competentes apenas para examinar matéria de direito. O STF, matéria constitucional. O STJ, matéria infraconstitucional. E se no curso da ação penal ocorreu violação de direito, tais como prescrição consumada mas não reconhecida, cerceamento de defesa, incompetência do juízo e outras situações mais que não demandem o reexame da prova, tem o réu condenado por um tribunal o recurso do habeas-corpus para o STF ou STJ, que é remédio rápido e eficaz para restituir a liberdade daquele que foi recolhido ao cárcere por ordem de um tribunal ou que nele já se encontrava. Nem precisa apresentar Recurso Extraordinário e/ou Especial e esperar sua tramitação e julgamento pelo STF e pelo STJ.