Por Carlos Newton

A Petrobras foi criada em 1953 com o objetivo de garantir o suprimento de derivados de petróleo para o Brasil. Aos trancos e barrancos, tem cumprido sua missão, mesmo que a tão sonhada autossuficiência de derivados nunca tenha sido alcançada (apesar da propaganda excessiva de 2006 acerca da autossuficiência momentânea de petróleo). A busca dos técnicos da empresa sempre foi no sentido de chegar à autossuficiência, mas os governantes têm atrapalhado bastante.

UM ESPECIALISTA – Vamos ao exemplo de um técnico, nacionalista de carteirinha, que começou sua carreira nos fins dos anos 70 e se tornou tão respeitado que suas opiniões acerca da estratégia da empresa para o abastecimento do pais, em meio à política mundial do petróleo, passaram a ser ouvidas pelas mais diversas autoridades, dentro ou fora da companhia. Aí incluem-se Itamaraty, Ministério de Minas e Energia e Presidência da República.

Movido pela razão, não deixou de auxiliar quem fosse – militares, tucanos e petistas. Mas de maneira nenhuma isso quer dizer que suas opiniões foram acatadas, mas pelo menos eram ouvidas e respeitadas.

GOVERNO LULA – Ao chegar a 2003, novamente esse técnico da Petrobras foi chamado a opinar, desta vez para o governo Lula. Perguntaram-lhe qual seria o maior defeito que impedia a empresas de atingir a tão sonhada autossuficiência de petróleo e derivados. Respondeu que o petróleo é uma dádiva da natureza e, como tal, não é plenamente controlável. Ou os brasileiros teriam que encontrar mais em nossas terras e mares ou os brasileiros teriam que se internacionalizar e tomar conta do petróleo dos outros. De qualquer forma, esse é um problema para os geólogos, foi a recomendação do especialista.

E continuou, explicando que, no caso dos derivados, a conta é bem mais fácil. O Brasil importa muito diesel e gasolina. Se o Brasil crescer, vai importar muito mais, a preços altos. Portanto, precisamos de refinarias. Passamos 30 anos sem construir nenhuma refinaria e o déficit de combustíveis já era de 300 mil barris por dia.

INCRÉDULOS – Os membros do governo, surpreendidos, incluindo a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, retrucaram que sempre lhes foi informado que refinaria era um mau negócio.

“Quem diz isso é quem já tem refinaria para autossuficiência. É como creche na Alemanha, é mau negócio quando não precisa mais, quando não tem mais mercado. Vejam só: ninguém chama um navio de gasolineiro ou dieseleiro. O nome é petroleiro. Só se transporta petróleo, porque combustível dever ser refirnado onde se consome. É o jeito mais inteligente. “Refinaria é que nem educação. Ter custa caro, não ter custa muito mais”, explicou o especialista.

Seguindo a conversa, perguntaram-lhe, supondo verdade essa necessidade de uma refinaria, onde seria construída. “No Nordeste, claro. Lá existe déficit enorme de refinados”, disse o técnico da Petrobras, que então exibiu mapas esquemáticos com os volumes de importação e transporte de combustíveis, para demonstrar a incrível ineficiência do país nesta área tão essencial.

ABREU E LIMA – Foi assim que caiu a ficha no governo Lula, que pouco depois anunciaria a construção de três refinarias no nordeste: Abreu e Lima, Premium 1 e 2. E seriam das maiores do mundo. E das mais modernas, reduzindo os poluentes ao mínimo e aumentando a conversão ao diesel ao máximo. E seriam feitas a toque de caixa. Megalomania tripla.

O técnico da Petrobras então se desesperou: Dilma e e o então presidente José Eduardo Dutra entenderam tudo errado. Após tanto tempo sem nenhuma refinaria, deviam implantar apenas uma, básica e barata, de construção rápida, mostrar que é bom, pagar logo o empréstimo ao BNDES. Enfim, tornar o país um pouco melhor, para em seguida dar o próximo passo, com mais uma unidade. Isso se chama progresso.

Depois, raciocinando melhor, percebeu o que realmente acontecera – Dilma e Dutra entenderam do jeito que quiseram. Ou seja, apenas viram a oportunidade de ligar o motor da corrupção à máxima velocidade.

APOSENTADORIA – Um sentimento de culpa, pelo excesso de ingenuidade e de inocência, atingiu este especialista da Petrobras, que acaba de se aposentar. Vários outros técnicos, em condição semelhante, também o fizeram, decepcionados pela exploração política e financeira da estatal.

É nesse clima que muitas idéias excelentes foram corrompidas. E não se pode esquecer que o criminoso é o que comete o crime, e que corruptor é quem corrompe.

Depois, já na Presidência da República, Dilma seguiu desestabilizando a Petrobras. Além da corrupção generalizada, que dilapidava a empresa, ela implantou a política suicida de contenção das tarifas dos derivados, para efeitos meramente políticos e eleitorais.

INTERESSE NACIONAL – Apesar de tudo, funcionários mais antigos da Petrobras ainda se mostram esperançosos. Antes, não existia petróleo em terra para atender a demanda interna, e nos anos 80 a Petrobras foi buscá-lo em águas profundas, em uma iniciativa inédita no mundo. Depois, nos anos 90, com a crise mundial, a Petrobras quase quebrou e esteve ameaçada de incorporação a empresas estrangeiras.

O que sempre salvou a companhia foram seus técnicos, que jamais aceitaram obedecer a ensandecidas diretrizes de sucessivos governos. Com essa postura firme, conseguiram evitar a venda de ativos estratégicos, lutando para defender a posição que sem dúvida era a mais certa para o Brasil, pois o que é do interesse nacional tem de ser do interesse da Petrobras.

Os técnicos mais jovens, que hoje enfrentam sua primeira crise, não sabem que já foi assim antes, pois a empresa passou por 60 anos de altos e baixos. Este ano vários especialistas se aposentaram, incentivados pelo programa de demissões voluntárias, porém esgotados por uma luta de mais de 30 anos, que ainda não acabou.