Eduardo Aquino / O Tempo

Mais de meio século depois, ainda me pergunto se meu espermatozoide, ao conquistar o pódio na luta pela vida, deixando para trás 250 milhões de protótipos de outros “Eduardinhos”, talvez mais bonitos e inteligentes ou horrorosos e doentes, me trouxe à luz como uma dádiva ou uma condenação ao sofrimento.

Alguma vez, você que me lê, achou a vida um peso, um calvário? Ou, ao contrário, a cada dia agradece a dádiva de existir, aprender, envelhecer com alegria, sabedoria, entendendo os altos e baixos inerentes ao caminho que separa o nascimento da morte? Um milagre, a vida, não é mesmo?

Mas o que tem me impressionado é uma certa epidemia de pessimismo, de angústia existencial, um queixume sem fim quanto a tudo: desde filhos, trânsito, dívidas, (des)governos, corrupção, cônjuge, escola, sexo e todo o resto. A vida anda uma…

BAIXA AUTOESTIMA – Diagnosticar é fácil, os temperos estão à mesa. Inicie com um toque generoso de baixa autoestima que sobra no mercado. Nosso espelho pessoal anda refletindo as distorções de um tempo artificial, cheio de photoshop, falsas divas de corpos sarados, rostos retocados com botox, maquiagens enganosas e aquela sensação boba de que sempre tem alguém mais bonita e gostosa na balada.

Acrescente uma ansiedade quanto ao futuro, adicione ambição, desejo de se dar bem, ser rico, famoso e dar de cara com a realidade de se frustrar e acordar aos 30, 40, 50 anos fazendo o que odeia, casado com quem não quer ou separado de quem se mostrou sapo ou “sapa”, após breve período de principado. E filhos adolescendo ou adultos jovens. Um paraíso com chamas por todos os lados e tridentes pontiagudos cutucando sua consciência.

MAS PODE PIORAR – Escolha uma doença, tenha um plano de saúde. Ou um parente com quadro grave nessas condições. Tente salgar tudo isso com ameaça de desempregar ou o desemprego em pessoa batendo a sua porta. Mexa tudo isso e meta a mão na massa. Ligue a TV para relaxar e se inspire nas notícias de corrupção reveladas pela operação Lava Jato. Evite chorar, salga o recheio. Aproveite e unte a forma com generosas reclamações e queixas. De todos e de tudo. Esconjure o governo, a vida, o vizinho, o dinheiro curto, a preguiça dos filhos, até o cocô do cachorro. Mas amanhã tudo será igual, a menos que você mude…

CULPAS RIDÍCULAS – Bata tudo no liquidificador, acrescentando culpas ridículas por tudo que deu errado em sua vida, duas colheres cheias de mágoas de fatos passados que nada acrescentam no presente, duas medidas de inveja dos bem-sucedidos à volta, dois dedos de ciúmes imaginários por inseguranças tolas e três copos de preocupações doentias com tudo ao redor. Leve ao forno de noites maldormidas, deixe crescer fermentado por sofrimentos antecipatórios, e pronto.

Saboreie a cada dia o dissabor de viver. Mas não reclame. Seu espermatozoide é campeão, bem-vindo à vida! Nasceu para ser chef. Um Masterchef!