Por Jorge Béja

Patifes. Todos eles são patifes. E eles nos tratam como se nós, o povo brasileiro, é que fôssemos a ralé, a escória. “Não. Não somos babacas, vamos todos partir pra cima deles”, foi a reação que ouvi ontem à noite de um vizinho revoltado. Falava tão alto que dava para ouvir longe. E o vizinho tem razão. Todos temos razão. Essa da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) foi demais. As agências reguladoras foram criadas para defender os interesses do povo. Não, para massacrá-lo. A ANEEL divulgou nesta sexta-feira, sem constrangimento e descaradamente, que os brasileiros consumidores de energia elétrica pagaram, indevida e criminosamente, R$1.8 bilhão em 2016 embutidos nas tarifas das contas que chegam em nossas casas, indústrias, empresas etc…

O dinheiro era referente à energia nuclear de Angra 3, cujas obras estão paralisadas faz tempo. Mas “os consumidores não sofrerão prejuízo, pois serão ressarcidos em 2017”, diz a nota da ANEEL. Para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) antes de 2021 “Angra 3 continuará como está, sem funcionar”.

CRIMINOSO(S) E CRIME(S) – Cumpre ao Ministério Público Federal (MPF) o indeclinável dever de oferecer, imediatamente, denúncia contra quem presidiu a ANEEL em 2015/2016. O(s) crime(s)? Estelionato ou extorsão. Um dos dois. Ou ambos de uma só vez.

Estelionato, artigo 171 do Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento“. Pena: reclusão de 1 a 5 anos e multa.

Extorsão, artigo 158 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa“. Pena: reclusão de 4 a 10 anos e multa.

GATUNO E GATUNAGEM  – A ANEEL obteve vantagem ilícita, indevida, de R$1,8 bilhão, em prejuízo da população de consumidores que, ao longo de 2016, foi mantida em erro, através do artifício de embutir nas contas mensais de energia elétrica preço fruto de fraude. E tudo isso feito mediante coação irresistível, que é a grave ameaça implícita, porque se não paga a conta a energia elétrica é cortada, sem dó nem piedade.

Quando alguém faz o chamado “gato” e puxa energia elétrica do outro, o crime é de furto. Para fins penais, energia elétrica é equiparada a bem móvel de valor econômico (Código Penal, artigo 155, parágrafo 3º). A pena é de reclusão de 1 a 4 anos e multa.

Daí a pergunta: e quem cobra do povo por uma energia elétrica que não forneceu, por um serviço que não prestou, por um gasto que não realizou, isso também não é “gatunagem”? É, sim. E com tipificação também clara, específica e própria prevista no Código Penal: Estelionato ou extorsão. Ou ambos os crimes ao mesmo tempo.  Então, senhores integrantes do MPF, vamos entrar em ação logo. Não pode esperar. O povo brasileiro exige. E as promotorias públicas são defensoras da sociedade em geral, quando vítimas de ação governamental criminosa.

RESTITUIÇÃO EM DOBRO – Mas a ANEEL não deve ser levada à Justiça apenas por estelionato. O MPF, por ter legitimidade, também está na obrigação de entrar na Justiça contra a agência para, através de Ação Civil Pública, para pedir a restituição dos R$ 1,8 bilhão que “garfaram” do povo brasileiro. E não apenas R$1,8 bilhão, e sim R$ 3,6 bilhões. Isto porque a restituição (chamada de “ação de repetição do indébito”) precisa ser em dobro, por força do artigo 42, parágrafo únicom do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a conferir:

“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros, salvo hipótese de engano justificável”.

Ora, engano justificável nunca houve. A ANEEL sabia que Angra 3 estava parada. Até o Vice-Almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, foi condenado pela Justiça e cumpre pena. Portanto, devolução em dobro, com juros, correção monetária e verba reparatória de, no mínimo um salário-mínimo, por dano moral, tudo em benefício de cada titular de conta de energia elétrica junto às concessionárias que exploram este setor.

COMO RESTITUIR – Jamais um devedor, pior ainda quando autor de crime, pode estabelecer o valor e a forma para restituir o que deve de indenização às vítimas, como quer a Aneel, isto é, restituir a prazo e a perder de vista. Segundo a agência, “os consumidores não sofrerão nenhum prejuízo pois serão ressarcidos em 2017”.

Não. Não é assim. O que a lei determina é a duplicação do valor, o acréscimo de juros e correção monetária, e uma verba a título de dano moral. Apurado o valor global, basta rateá-lo pela quantidade de consumidores cadastrados nas concessionárias, cumprindo à ANEEL depositar o valor a crédito do CPF, CNPJ ou do nome de cada titular da conta, no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal.

E fazer anúncio público dos depósitos, na mesma intensidade que estão fazendo agora para o levantamento do FGTS, para que as vítimas compareçam aos bancos e recebam o dinheiro da indenização. Nada é difícil. Tudo é possível e fácil. O governo brasileiro precisa respeitar seu povo. Jamais iludi-lo e roubá-lo. Temos direitos e dignidade. Não somos “babacas”, como gritou ontem o enfurecido vizinho. E ainda temos juízes neste país.