Por Celso Toledo / Site da Exame

Uma questão pertinente é saber como caímos neste buraco da corrupção. Os pesquisadores suecos Eric Uslaner e Bo Rothstein, autores de “As Raízes Históricas da Corrupção”, detectaram a existência de uma relação inversamente proporcional entre os níveis históricos de educação no final do Século XIX e a corrupção percebida atualmente em uma amostra de 78 países para os quais há informações. Os lugares atualmente menos corruptos eram relativamente bem educados em um passado distante, não necessariamente mais ricos.

VÍNCULO REAL – Há várias razões para acreditar no vínculo entre essas variáveis. Primeiro, a educação fortalece os laços sociais entre grupos distintos, consolidando noções de cidadania e de lealdade em relação ao Estado que, por sua vez, são favoráveis à honestidade.

Segundo, a educação tende a criar um ciclo virtuoso de riqueza e igualdade, fatores materiais que costumam inibir a roubalheira. De fato, a elite tem mais dificuldade em adotar políticas socialmente prejudiciais em sociedades mais igualitárias. Além disso, populações mais educadas precisam recorrer menos a estruturas de poder clientelísticas. Terceiro, a educação propicia a criação de um mercado para a imprensa, revigorando seu papel de sentinela. Resumindo, ao prover educação em massa, o estado sinaliza a seus cidadãos que não serve a um grupo específico, estimulando a honestidade.

QUESTÃO AGRÁRIA – A evidência também sugere que os lugares em que a distribuição da propriedade da terra era mais igualitária no passado tendiam a exibir níveis educacionais mais elevados. Estes fatores indicam que colonizações com fins extrativos, caracterizadas por terem menos europeus e distribuição desigual da terra, ajudam a explicar a corrupção hoje porque, nestes lugares, não havia incentivos a prover educação de massa. Mas isso é apenas parte da história.

As trajetórias de nações independentes também corrobora a teoria. Nestes lugares, a influência da religião foi um elemento importante. A educação foi mais estimulada pelos protestantes, cujos missionários pregavam a leitura da Bíblia. Nos países católicos, a igreja temia que a alfabetização pudesse levar ao questionamento de sua autoridade, preferindo investir em educação apenas quando enfrentava concorrência (como no Canadá). Essa cunha explica a diferença no destino de Portugal e Espanha, de um lado, e Escandinávia, de outro.

MELHOR EDUCAÇÃO – A Ética Protestante funcionou como obstáculo à corrupção contemporânea não apenas porque instilou a cultura do trabalho duro, mas porque favoreceu a educação. Um resultado interessante é a importância menor da existência de instituições democráticas lá atrás para entender a corrupção no presente.

No final do Século XIX, as democracias não apresentavam necessariamente os níveis educacionais maiores. A Inglaterra, a democracia mais avançada economicamente na época, introduziu educação de massa com bastante atraso, importando o modelo de nações mais autoritárias para fazer a reforma doméstica.

IDENTIDADE NACIONAL – Nações continentais como Alemanha, Dinamarca e Suécia investiram em educação porque a elite política via a necessidade de construir uma identidade nacional unificada a partir do Estado. O sistema Sueco, por exemplo, estabeleceu que meninos e meninas devessem ser tratados da mesma forma e estudar juntos – foi introduzido em 1842. Na Itália, país relativamente corrupto hoje, metade da população era analfabeta ainda na primeira década do Século XX, especialmente na região do sul – em que a corrupção é significativamente maior do que no norte.

O lado positivo do estudo é que parece haver uma via para recuperar o tempo perdido, mas com lentidão bovina. De fato, a correlação entre corrupção hoje e educação ontem é bem maior do que a relação entre corrupção hoje e educação hoje. Finlândia, Japão e Coreia do Sul são exemplos de países que, por razões distintas, escaparam da armadilha de um passado longínquo com pouca educação.

A roubalheira generalizada que assola o Brasil tem origem que remonta à colonização. A limpeza que parece ganhar corpo com a Lava Jato é apenas o primeiro passo de uma longa jornada. Só seremos um país verdadeiramente honesto quando tivermos discernimento para entender que o desenvolvimento não cai do céu.