Por José Paulo Kupfer – O Globo

Já não há dúvida de que a economia brasileira está em recuperação, embora ainda longe de alcançar os níveis de atividade anteriores à intensa recessão iniciada no segundo trimestre de 2014. Com inflação baixa e juros descendentes estimulando o consumo, o espaço para a ocupação da vasta capacidade ociosa está, pelo menos em teoria, desobstruído.

O crescimento mais firme e espalhado da economia global, impulsionando exportações e injetando recursos externos, reforça o quadro positivo que agora se apresenta. É nesse ambiente de distensão econômica que proliferam interpretações de que a economia descolou da política, visto que a política continua projetando incertezas pelo menos até o desfecho das eleições daqui a um ano. Tais análises, infelizmente, podem estar desconsiderando efeitos em prazos menos imediatos.

Em resumo, a crise política pode não impedir que a economia saia do fundo do poço, mas contribui para dificultar que a retomada tenha tração e fôlego. A “paz” política obtida por Temer, refletida na banalidade com que está sendo acompanhado o desenrolar da segunda denúncia da PGR contra o presidente, tem consumido quantidades relevantes tanto de capital político quanto físico, com o atendimento de reivindicações de parlamentares.

Mais grave, foi imposta à custa não só da paralisia temporária de projetos reformistas no Congresso, atrasando sua aplicação e seus efeitos, mas, principalmente, afrouxando em muito as ambições originais de contenção de despesas.

Ao desviar, por força de circunstâncias políticas, o curso do programa econômico adotado na inauguração do seu governo, Temer expôs as potenciais fragilidades da emenda constitucional do teto de gastos, espinha dorsal da sua estratégia de ajuste fiscal. Estudos recentes mostram se não a inviabilidade de cumpri-lo em algum momento dos próximos dez anos, pelo menos as enormes dificuldades para evitar seu rompimento e os constrangimentos ao crescimento econômico que seriam exigidos pelo esforço de não vazá-lo.

Na “Carta de Conjuntura” deste mês, sob o título “Não vale a pena esperar até que o teto de gastos seja rompido”, Luiz Schymura, diretor do Ibre/FGV, descreve simulações elaboradas pela pesquisadora Vilma Pinto com base na hipótese de aprovação de uma reforma mínima da Previdência, estabelecendo idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, combinada com correção do salário mínimo apenas pela inflação, a partir de 2020.

A conclusão do estudo é que, sem uma reforma previdenciária básica, o volume total de despesas federais, em 2025, seria 5,2 pontos percentuais do PIB maior do que o fixado no teto e mesmo com ela o excedente alcançaria 3,2 pontos do PIB (http://bit.ly/2i2uHaC). Fica cada vez mais claro, diante dessa perspectiva, que o programa de ajuste fiscal do governo Temer começou de trás para a frente.

Qual o sentido de começar com um teto de gastos inscrito na Constituição e só depois suar a camisa para aprovar reformas em despesas rígidas, caso destacado da Previdência, que impedissem a compressão insustentável de gastos mais flexíveis, como custeio da máquina e, sobretudo, investimentos públicos – estes cruciais para um crescimento econômico sustentável? Por que correr o risco de descumprir a regra constitucional e promover um shutdown no serviço público?

A resposta – segundo o bem conhecido economista Dani Rodrik, de Harvard, em conjunto com o colega brasileiro Filipe Campante, também de Harvard, num artigo de junho, reproduzido pelo jornal “Valor” e intitulado “O momento argentino do Brasil” – é a de que essa foi a forma “desesperada” escolhida para conquistar credibilidade junto ao mercado, à maneira como a Argentina, em 1991, estabeleceu a medida heroica da dolarização da economia.

Para os autores, lá foi o modo de transmitir a mensagem de que a política monetária ficaria no piloto automático, enquanto aqui tratou-se de indicar que o ajuste fiscal e o encolhimento do governo também seriam automáticos. “Como a Argentina descobriu alguns anos depois, a legislação fiscal impositiva pode tornar-se um poderoso constrangimento para a recuperação econômica”.