Via Bernardo Mello Franco / Folha

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que o governo não tem mais votos para aprovar projetos importantes na Casa. Ele diz que o Planalto ficou “fragilizado” e “desgastado” depois de barrar as denúncias contra Michel Temer. Para Maia, o presidente precisa melhorar a relação com o Congresso e calar auxiliares que “falam demais”. “O Jaburu virou um lugar aonde ninguém quer ir”, provoca.

O deputado recebeu a Folha ontem (26), em sua residência oficial em Brasília. Cotado para disputar o governo do Rio e até a Presidência da República, ele disse que tentará a reeleição em 2018: “Sou candidato a deputado federal. Sei o meu tamanho”.

Temer barrou a segunda denúncia com 251 votos, o que representa menos da metade dos deputados. O placar o surpreendeu?
Não. O governo estimulou os deputados a viajar para não se expor [votando a favor de Temer]. Diante da situação, não foi um resultado ruim. Isso não significa que o governo tenha força para votações futuras. Daqui para a frente, qualquer matéria polêmica vai precisar de uma reorganização da base.

Como fica a imagem da Câmara depois de salvar um presidente tão impopular?
A Câmara saiu machucada, sem dúvida. Quem não achar isso está enxergando pouco. O deputado é cobrado nas bases, nas redes sociais. A gente não pode esconder que a sociedade pediu o afastamento, e a Câmara entendeu que não valeria a pena. A maioria decidiu de forma democrática. A questão é conseguir explicar isso ao eleitor. A denúncia não morreu, o presidente voltará a ser investigado quando deixar o governo. Mas os deputados acharam que o peso de afastá-lo agora seria muito grande.

Muitos deputados também são investigados. Eles blindaram Temer para se proteger? Mesmo que seja investigado, o deputado vota olhando o interesse do seu eleitor. Se ele entendesse que havia uma pressão insuportável, teria votado contra o presidente. Não há esse espírito coletivo [de autoproteção]. O deputado vê o que pode tornar insustentável a sua reeleição.

A imprensa registrou a ampla distribuição de cargos, verbas e favores nas últimas semanas. Houve compra de votos?
Acho que falar de compra de votos é muito forte. O julgamento é político, né? O governo faz a articulação política com seus deputados de forma permanente. Algumas sinalizações foram equivocadas. Tratar de trabalho escravo por portaria é até inconstitucional. Não deveria ter sido assim. Estava na cara que a portaria ia cair na Justiça. Nada disso pode ser feito de modo unilateral. São temas que envolvem a sociedade e a imagem do país.

O governo ainda tem maioria para aprovar seus projetos?
Na primeira denúncia, eu já achava que era preciso reorganizar a base. Agora o governo tem que ter paciência, porque ele não tem votos para aprovar matérias importantes. Pacificar a base é mais inteligente que buscar culpados. E tem que tomar cuidado para não buscar o culpado errado. A denúncia existe, frágil ou não. Mas tem erros cometidos pelo presidente na conversa com o Joesley [Batista]. Agora que o assunto está encerrado, é importante que o presidente possa reorganizar minimamente a base para ter condições de votar projetos que exigem quorum qualificado.

O presidente terá que fazer uma reforma ministerial? Isso cabe ao presidente decidir. Da forma como a base está colocada, o governo vai ter dificuldades em matérias polêmicas. Se ele vai precisar apenas de diálogo com os deputados ou se vai precisar fazer reforma, é uma questão que não cabe a mim discutir.

A reforma da Previdência ainda pode sair do papel? Acho que é muito difícil. A gente tem que focar nos dois pontos mais compreensíveis: idade mínima e fim dos privilégios dos que ganham mais. Se o governo não tem dinheiro para investimento, é porque a Previdência vem engolindo todos os recursos disponíveis. Em 1998, ela custava 3,4% do PIB. Hoje custa 13%. Como é que isso se sustenta?

O que seria descartado nessa versão enxuta da reforma?
A aposentadoria rural, em parte. Também o BPC [Benefício de prestação continuada, pago a idosos e deficientes]. O resultado financeiro é pequeno e o desgaste é enorme. A gente tem que considerar a situação de fragilidade e desgaste do governo. Não adianta querer fazer tudo.

A Câmara vai mexer nas regras dos planos de saúde?
O projeto reorganiza o setor, não beneficia área nenhuma. Tem um relatório muito bem elaborado, do deputado Rogério Marinho, que não tem relação com o setor. Com a crise, os planos perderam milhões de clientes, pressionando a saúde pública. O projeto permitirá que o setor privado volte a atrair pessoas físicas, aliviando a pressão sobre os hospitais públicos.

A professora Ligia Bahia, da UFRJ, disse que o projeto favorece os planos e prejudica os idosos ao autorizar reajustes depois dos 60 anos.
Ao contrário, o projeto defende os idosos. Ele parcela o pagamento [após o cliente fazer 60]. Acho que a interpretação de alguns professores está totalmente equivocada.

Após meses de atrito, como fica sua relação com o Planalto?
Não misturo a minha atuação com o tratamento equivocado que recebi. Tive várias oportunidades, por erros do governo, de adiar a votação da segunda denúncia. Se eu estivesse apenas cumprindo a regra do jogo, se não tivesse sendo minimamente flexível, poderia ter feito isso. Mas iria gerar uma instabilidade brutal para o Brasil.

Onde erraram com o sr.?
O governo tem muitas bocas falando demais. Fazem intrigas pela imprensa, plantam matérias que não são verdadeiras. Isso atrapalha o presidente, porque gera insegurança quando você vai ao palácio conversar. Conseguiram transformar o Jaburu num lugar aonde ninguém mais quer ir. O entorno do presidente é o entorno da fofoca.

O sr. se queixou da operação do PMDB, partido de Temer, para atrair políticos que estavam migrando para o DEM.
Meu maior incômodo foi a participação do Eliseu [Padilha] e do Moreira [Franco] no ato de filiação. Onde há conflitos na base, o palácio deve deixar que a política resolva. Não dá para participar de um governo que faz isso. Se é para ser um governo só do PMDB, que só o PMDB fique lá.

Os aliados de Temer que o criticam dizem que o sr. flertou com a ideia de substituí-lo.
Tenho o sonho de ser presidente da República, mas nunca disputando votos numa denúncia. Isso não seria bom para o Brasil nem para mim. Quando viram que era possível perder a votação na Câmara, decidiram escolher um inimigo. Só podia ser eu, o primeiro na linha sucessória. Mas escolheram o alvo errado. Entraram em parafuso e começaram a me atacar, como se eu fosse culpado pelos movimentos que aconteceram. A fala do senador Tasso Jereissati foi espontânea, não pedi nada [em julho, o tucano disse que Maia poderia estabilizar o país]. Até agradeço a confiança, mas não tenho culpa.

Com Temer enfraquecido, alguns de seus aliados dizem que o sr. ganhou força e pode virar um “CEO do Brasil”.
Isso não existe. Meu papel é o de presidente da Câmara. No presidencialismo, o presidente sempre tem força. Mesmo com avaliação baixa, ele sempre terá algo a oferecer.