Poe Eduardo Aquino/ O Tempo

 

Cena 1: Olho em volta e ouço várias conversas. Ambiente cheio como convém a um restaurante honesto e lotado na hora do almoço numa região de escritórios, comércio, movimento. Nas mesas, distintos grupos de variadas idades e finalmente algo comum a todos: modernos celulares, os smartphones.

É aí que começa a loucura não percebida. Grupos de pessoas reunidas e quase ninguém conversando com seus vizinhos de mesa. Grande parte das conversas muitas vezes em altos brados. Outros, dedilhando freneticamente, numa velocidade impensável, seus aparelhos num silêncio constrangedor para os poucos que, em cada mesa, não portavam seus eletrônicos.

Surreal a desimportância do mundo real e local nas atuais relações humanas. Estamos sempre conectados com fatos, eventos e pessoas remotas ou numa realidade distante e virtual. Sentiu o aroma gostoso das plantas ao redor, curtiu o paladar ímpar do tempero daquela massa? Observou o charme sublime daquela pessoa da mesa ao lado? Ouviu a música suave e relaxante do piano ambiente?   Não?! Então dá pra desligar o celular pelo menos enquanto almoça com seus amigos ou sua família?

Cena 2: Estádio de futebol, final de campeonato, torcida presente e começam a aparecer cenas das arquibancadas (ou cadeiras das arenas). Jogo disputado, tenso e… gente fazendo selfie, outros dedilhando seus celulares ou ipads, flashs pipocam sem parar.

Conversas animadas nos smartphones e …goool!!! Todos olhando a reprise no telão ou usando seus eletrônicos para conferir, enquanto mandam mil mensagens zoando colegas adversários de time. Quando, de repente, escuta-se gritos histéricos. O adversário empata e lá vêm as milhares de mensagens de volta. Bem, quando acabar, entro na rede para ver os melhores momentos e preparar para gozações de parte a parte. Fim do evento ao vivo! Ao vivo?!

Dá para desligar o celular, por favor?! Sai da tela, o mundo está ao seu redor, sinta, curta, experimenta, aproveita, pô!

Cena 3: Sala de TV, Dia das Mães, após almoço. E os pais preparam uma surpresa: vídeos caseiros e familiares dos três filhos, agora adolescentes, mostrando um pouco da história familiar, os partos, as festinhas, as viagens… Lógico que algo tão afetivo, como rever a própria história familiar, partilhar momentos tão íntimos, é dose pra leão. Aninha se refugia nos joguinhos do celular, Pedro coloca fones no ouvido, João Luiz dedilha mil dados no seu smartphone. De repente a voz de trovão do pai: “será que nem no dia de homenagear a mãe de vocês, não há o menor sentimento, respeito?”

E para completar a festa, “dá pra desligar esses aparelhos ao menos por uma hora?”

Cena 4: A professora chega mais cedo e com aquela letra linda, preenche o quadro negro para mostrar a incrível epopeia que foi a Revolução Francesa, que modificou o mundo, trouxe valores e heranças que influenciam a civilização até hoje. Os alunos chegam com suas mochilas, mau humor matinal e a preguiça de quem pensa “ai, que saco”.

Não demora e começa a conversaria, os barulhos de celulares tocando, recebendo mensagens, ruídos de games, olho nas telas, enquanto uma solitária e dedicada mestra pedindo, implorando, depois gritando “dá para desligar essa p… desse celular?!”

Silêncio espantado e então o aluno “machinho alfa” retruca: “o que esta tal de Revolução tem a ver comigo? De francesa me interessa é a seleção do Fifa Soccer, meu game predileto!” Risadas e zoações. A excelente educadora caminha a passos largos pega o celular do aluno insubordinado e o destrói no chão, fato evidentemente filmado por uma aluna e que viralizou na rede. Atual ex-professora em nome da honra.

Cena 5. Blecaute na cidade, no mundo há sete dias. No meio de distúrbios, quebra-quebra e emburrecimento global sem a rede. A geração de pais e avós, usando seus conhecimentos artesanais e sábios, elabora distintas estratégias para a sobrevivência, início de um novo tempo, pós-falência da tecnologia após guerra mortal de hackers de nações inimigas. Ficção ao contrário? Apelo ao bom senso no uso de uma das maiores revoluções que anda desumanizando as pessoas? Sei lá.

 

Mas que tal desligar o celular de vez em quando e curtir esse mundão aqui fora?!