Documentário homenageia, sem idolatria nem pieguice, o tricampeão brasileiro da F-1

Muitos produtores e diretores já haviam procurado Viviane Senna com a proposta de levar ao cinema a história de vida de seu famoso irmão. O projeto que mais perto chegou de ganhar as telonas teria o espanhol Antonio Banderas interpretando Ayrton. Foi bom, muito bom, nenhum deles ter vingado. Senna, primeiro longa-metragem sobre o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos, chega nesta sexta-feira aos cinemas deixando os espectadores com a certeza de que ninguém faria melhor o papel principal do que ele mesmo.

Roteiro

O filme é um documentário dirigido não por um brasileiro, mas por um inglês que pouco sabia sobre F-1 e sobre a vida de Ayrton Senna (1960 – 1994), o que é um excelente dado considerando que a idolatria nem sempre caminha ao lado da boa construção de filmes documentais. Asif Kapadia que, claro, nunca esteve em um set de filmagens com os personagens desse roteiro, deixa a nítida impressão de que cada cena foi gravada, e repetida dezenas de vezes, para que fosse possível contar uma história tão redonda. Isso ele conseguiu graças às mais de 5 mil horas de imagens de arquivo cedidas pela família do piloto, pelo chefe da F-1, Bernie Ecclestone, emissoras de TV e algumas captadas via Youtube.

Não há entrevistas – nem aquela clássica imagem (que rotula o estilo do documentário) de pessoas sentadas a falar a fio sobre um tema. Os depoimentos se sucedem durante toda a narrativa em off, sem evidenciar o rosto de quem fala, e contemporizam uma história por si só cinematográfica, desvendada por cenas inéditas e reveladoras para quem é fã, ou não, da Fórmula 1 e de Senna. As mais surpreendentes mostram discussões nas reuniões de pilotos antes dos GPs e a sequência que traz Alan Prost e o chefe francês da F-1, Jean Marie Balestre, expondo detalhes de quando o bicampeonato foi meticulosamente tirado das mãos de Senna.

O Senna que nos é apresentado não faz questão de ter a clássica imagem de bom moço que insistiram em dar a ele pós-morte. Brigão quando tinha que ser (as partes mais picantes do longa trazem Senna e sua sem-fim queda de braço com Prost), vingativo em alguns momentos (ao dar o troco no mesmo rival na corrida que Senna faturou seu bi), sempre competitivo e de opinião forte (quando peitou o respeitado bicampeão Jack Stewart).

E em ordem cronológica, sem grandes firulas ou pieguices, é erguido um ídolo. Senna sabia o que queria e era inteligente o suficiente para saber como chegar lá. Sempre muito educado, era admirado por todos que viram, em dez anos, aquele rapaz construir uma das carreiras mais solidificadas deste esporte: saiu do kart, ingressou na F-1 pela Toleman, foi rapidamente alçado pela Lotus, cravou seu nome na história da McLaren e findou a vida e a profissão na terceira corrida que fez pela Williams.

Kapadia foi muito cuidadoso com as cenas. As namoradas Xuxa e Adriane Galisteu, os passeios de lancha com a família, a religiosidade e valores do homem foram bem encaixadas no roteiro para explicar momentos da vida do tricampeão e sua personalidade. O começo e fim do filme lembram inclusive de um Ayrton saudoso do kart, único momento de sua carreira automobilística, segundo o próprio, em que a alta velocidade não era associada à politicagem e ao dinheiro.

Para os brasileiros, o filme fica ainda mais familiar quando ouve-se a voz de Galvão Bueno narrando as corridas que fizeram parte de passados domingos. E para falar da morte de Senna, o diretor dosou na medida certa o tamanho que aquele momento merecia. A batida na Tamburello é exibida uma única vez, sob um único ângulo, muito embora ele tenha tido acesso a dezenas e dezenas de perspectivas para mostrar a cena. Delicadeza acima de tudo.

Foram 16 anos de silêncio desde a fatídica curva na Itália até os dias de hoje. Agora, a história de cinema de Ayrton Senna ganhou um registro digno. Valeu a pena esperar.

 

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