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O aumento do poder aquisitivo do brasileiro obrigou um típico produto nacional a também “ascender socialmente”. A cachaça já não tem lugar cativo apenas na prateleira do boteco da periferia e começa a se consolidar no cardápio de restaurantes finos e no gosto das classes A e B.
Mais que uma simples diversificação do portfólio, essa foi uma necessidade dos produtores, que há cinco anos já previam uma mudança no perfil do consumo e a migração do consumidor popular para bebidas destiladas mais caras e com mais status, como uísque e vodca – deixando a “pinga” um pouco de lado.
O que era apenas uma intuição ficou claro nos dados coletados pela consultoria Nielsen no ano passado. Depois de sustentar mais de uma década de crescimento – mesmo que modesto -, o setor viu o consumo cair 3,8% em 2010. A vodka, por exemplo, registrou um aumento de 1,8%.
Os números fizeram a indústria reforçar uma estratégia, adotada timidamente nos últimos anos, de investir nas chamadas cachaças “premium”, envelhecidas em tonéis de madeira por pelo menos um ano. Elas são vendidas por um preço que chega a ser o dobro do de um uísque 12 anos.
O resultado aparece no faturamento do setor, que, mesmo com a queda no consumo geral, faturou R$ 450 milhões no ano passado – 6,9% a mais que 2009.
Os primeiros a identificar esse nicho de mercado foram os micro e pequenos produtores, que já não tinham como competir com a indústria nos quesitos tributação e logística. “Há uns três anos, os grandes produtores também sentiram a necessidade de agregar valor”, diz Cesar Rosa, diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) e presidente da fabricante Tatuzinho, que produz a cachaça Velho Barreiro. “Envelhecer cachaça é coisa que custa caro porque, além sermos obrigados a manter o capital parado, parte dele, literalmente, evapora.”
No ano passado, a Tatuzinho produziu 45 milhões de litros de cachaça. Ao contrário de grande parte do setor, a empresa registrou crescimento de 17% em relação ao ano anterior – alta puxada principalmente pela cachaça premium, cujo consumo disparou 28%. Um dos carros chefe da fabricante do interior de São Paulo é a Velho Barreiro Gold, vendida numa garrafa de 700 ml, banhada a ouro.
Jequitibá. Ainda este mês, a Tatuzinho começa a testar no mercado paraguaio uma cachaça branca, envelhecida em tonéis de jequitibá rosa, que não transferem coloração à bebida. A embalagem é prateada, em comemoração ao bicentenário da independência do país vizinho. Até o fim do ano, o produto começará a ser vendido também no mercado brasileiro. “Nosso desafio é encantar o antigo consumidor de cachaça, que agora, com mais dinheiro no bolso, prefere beber coisas mais chiques”, diz Rosa.
De olho na classe A, a Companhia Muller, que produz a caninha 51, lançou no fim de 2009 uma cachaça com quatro anos de envelhecimento, envasada em garrafa francesa, com design personalizado e que custa R$ 140 – bem acima da tradicional cachaça branca, que sai por R$ 3 o litro. “É uma estratégia para agregar valor à marca e prepará-la para atingir um consumidor mais exigente”, diz Paula Videira, diretora de marketing. “Nosso objetivo também é lançar produtos jovens, com menor teor alcoólico, outra tendência no mercado.”
Para atrair um público novo é preciso investir em inovação e acelerar os lançamentos. É o que a cearense Ypióca está fazendo. Depois de ficar até dois anos sem produtos novos no portfólio, a fabricante retomou no ano passado o ritmo de produção de novas bebidas. Colocou no mercado uma cachaça de menor teor alcoólico com sabor de guaraná.
“Precisávamos estar presente em alguns momentos do dia a dia do brasileiro em que não estávamos como na balada, por exemplo”, diz Francisco Jereissati, diretor comercial do grupo. “Com uma bebida mais leve alcançamos desde o público jovem, que está se iniciando no consumo alcoólico até o feminino.” As cachaças com sabor já representam 13% do faturamento da Ypióca, que pretende lançar três novos produtos ao longo de 2011, segundo informou o presidente do grupo, bisneto do fundador, Everardo Telles.
A empresa está fazendo uma verdadeira “operação de guerra” para ganhar mercado. Em 2010, embora tenha conquistado um tímido crescimento nacional, a Ypióca perdeu em casa: viu o mercado nordestino despencar. “Criamos promoções para incentivar as equipes de venda e passamos a patrocinar uma série de eventos: de rodeios a campeonatos de futebol”, diz Jereissati.
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