Todo governo da presidente Dilma Rousseff, a começar pelo chanceler Antonio de Aguiar Patriota, esforça-se, de maneira explícita, para mostrar que não há mudanças na política externa herdada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de o Itamaraty falar apenas em “ajuste”, os analistas dizem que há, no mínimo, uma diferença essencial: os interesses do país têm hoje mais relevância do que as aspirações pessoais de prestígio.
Dois especialistas em política externa, protagonistas da diplomacia desenvolvida nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010), avaliam que a relevância dos “ajustes” feitos por Dilma está no fato de ela operar as mudanças em cima de oportunidades de manifestação concreta – são mais do que um discurso. O ex-ministro Celso Lafer refere-se, especialmente, ao caso dos direitos humanos no Irã.
“Foi uma manifestação de grande habilidade, um distanciamento inequívoco, mas com base em uma condição de gênero, sobre a qual ela tinha muita autoridade para se diferenciar”, afirmou Lafer, que serviu ao Itamaraty no governo FHC. Ele se refere ao fato de, na quinta-feira, o Brasil ter votado favoravelmente, em Genebra, ao envio de um relator especial para analisar a situação dos direitos humanos no Irã do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Lafer destaca que a decisão brasileira revelou coerência com a posição de Dilma manifestada antes mesmo de assumir o governo, em 1.º de janeiro. Contrariando a posição do governo Lula, Dilma reprovou a decisão de se abster em votação anterior, na Assembleia-geral das Nações Unidas (ONU). O regime de Teerã já vivia às voltas com a sentença de morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani.
O ex-embaixador do Brasil nos EUA Rubens Barbosa, que serviu nos governo FHC e Lula, realça a “mudança coerente” e avalia que, na visita do presidente Barack Obama ao País, na semana retrasada, ficou evidente o pragmatismo no trato dos interesses de Estado. “A linha da política externa não muda de um governo para outro, mas mudam as prioridades, mudam as ênfases. Neste caso (de Lula para Dilma), há continuidade, mas com mudanças coerentes”, disse o embaixador.
Barbosa viu muito pragmatismo e “pouca ideologia” no discurso da presidente ao tratar das relações comerciais entre Brasil e EUA. Para Lafer, a síntese desse movimento pode ser vista no esforço do governo Dilma para equilibrar melhor os interesses brasileiros e a necessidade de manter o prestígio internacional do País. “Minha percepção desses dias iniciais é que está sendo dada mais ênfase aos interesses brasileiros do que às aspirações de prestígio”, afirmou o ex-chanceler.
Estilos e símbolos. A diplomacia discreta não esconde o essencial, segundo Lafer. “Claramente, a estratégia e a personalidade da presidente Dilma e do chanceler Patriota são distintas das do presidente Lula e do ex-ministro Celso Amorim. Mas estilo em diplomacia é importante. E um componente importante são os símbolos e as palavras”, disse Lafer para reforçar que a simbologia da nova diplomacia não deixa dúvidas sobre a mudança.
Há uma preocupação dentro do governo de não glorificar as mudanças impostas por Dilma até aqui. Depois da votação da quinta-feira, diplomatas que trabalham próximos ao atual chanceler fizeram questão de dizer que o Brasil nunca havia deixado de cobrar o Irã na área dos direitos humanos. A abstenção havia ocorrido apenas porque o governo brasileiro não considerava que as propostas anteriores sobre o tema tivessem sido feitas em foro adequado.
O discurso, no entanto, não esconde que mais mudanças virão.
Fonte: Agência Estado
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