Por Ruth de Aquino
Você achou que era o futebol? Não é. Nosso esporte mais popular é a corrupção. O time de maior prestígio e mais bem remunerado é o BCC, Brasília Corrupção Clube. Seus estádios são verdadeiros palácios, com subsedes imponentes. Uma pena que, mesmo com ingresso de graça, as arquibancadas estejam quase sempre vazias, a não ser que os jogadores entrem em campo em benefí$io próprio ou tenham algum companheiro ameaçado por cartões vermelhos. Aí, as torcidas lotam o recinto e reúnem jovens furiosos a gaviões fiéis. Confraternizam, xingam e chegam a entrar no tapa.
Há os atacantes que disputam, aos trancos e barrancos, até o fim do Segundo Tempo. E os zagueiros que já deveriam ter pendurado as chuteiras no século passado, mas insistem na prorrogação. O “bicho”, nesse torneio, é a propina. Tem muito empurra-empurra. Já foram expulsos cinco neste ano da Seleção, e o sexto estava na marca do pênalti aguardando o apito da juíza.
O maior medo dos jogadores é sofrer um “drible da vaca”. É um daqueles dribles humilhantes em que o jogador, de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado e corre para o lado oposto, buscando a bola novamente. Em política, é comum. Você faz de conta que dá todo o apoio ao coitado, mas o faz de bobo. E, quando o outro percebe, já foi até substituído. Nesse Brasileirão de impedimentos, quem rouba não é o juiz. (Até é também, mas o campeonato é outro, superior – os atletas jogam de toga e o uniforme faz a diferença, que o diga a juíza dos árbitros Eliana Calmon, que denunciou bandidos em campo.)
Poderíamos recorrer apenas ao humor, e não à indignação, mas o assunto é muito sério. Só no Brasil uma arte milenar chinesa como o kung fu acaba usada pelo Ministério do Esporte para desviar milhões de reais de dinheiro público. Dinheiro meu e seu destinado a material esportivo para crianças e jovens. O que se rouba em nome dos carentes e destituídos é vergonhoso. Não sei quase nada de kung fu, a não ser que há golpes mortais. Mas, no Brasil, o golpe é de grana mesmo.
O enlameado desta vez foi o ministro Orlando Silva, titular da pasta mais estratégica para um país que sediará a Copa do Mundo e a Olimpíada. Foi surpresa? Silva comprou em 2008 por R$ 8,30 uma tapioca recheada de queijo coalho e manteiga da terra com um cartão corporativo. Foi “por engano” e ele devolveu o dinheiro. Ficou feio. Mais um ministro que Dilma Rousseff herdou de seu mentor Lula, o presidente mais complacente, boa-praça e popular da história, corintiano roxo e amante das metáforas futebolísticas. Lula chegou a telefonar ao ministro, expressando sua solidariedade.
Quem acusou Silva é um desclassificado. Soldado da Polícia Militar, João Dias é ex-militante do PCdoB, o mesmo partido do ministro, e dono de ONGs de kung fu com sede em Brasília. Tem mansão incompatível com seu salário e três carros importados na garagem: um Camaro, um Volvo e um BMW. Só começou a enriquecer quando se aliou a um grupo do PCdoB, então liderado pelo governador Agnelo Queiroz. Fez convênios com o Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva por cinco anos. João Dias foi intimado pelo Ministério Público a devolver R$ 4 milhões aos cofres públicos. É rico, temido e suspeito.
Silva tentou se defender dizendo que queriam tirá-lo “no grito”, sem provas materiais. Seria a palavra de um contra o outro. Mas por que ele assinou convênios com João Dias? Teria sido iludido pelo soldado kung fu? Nenhum ministro cai por um único depoimento. A folha corrida de Silva nos últimos anos afetou a rodada da semana. A União cobra a devolução de R$ 49 milhões desviados em convênios irregulares do Ministério do Esporte. É pouco? Esse dinheiro não vai reaparecer. Quanto o PCdoB ganhou não se sabe, mas um pouco deve ter sido gasto na campanha que o partido maoista deslanchou na TV, dizendo que nada mancharia uma legenda criada “para estar ao lado do povo”. Ah, esse povo merecia mais.
E Dilma com isso? Para ela, foi oportuno estar na África. Driblou o ministro ao chegar na quinta-feira à noite. Em seu morde-assopra costumeiro, a presidente condenou qualquer tipo de “apedrejamento moral”. Tudo como manda o figurino. Mas já tinha deixado claro que não faria nenhum esforço para Silva ficar. Dilma criticou a demonização do PCdoB. E não poderia agir diferente. O PCdoB comanda a pasta do Esporte há nove anos, desde o início do mandato de Lula. É um partido que nasceu em 1962 de um racha comunista, com fama de “pequeno mas ideológico”. Sua ideologia aparentemente mudou. Sua marca ainda são a foice e o martelo cruzados, simbolizando a aliança de operários e os camponeses. Ah, os operários e os camponeses mereciam mais.
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