Deu em  O Globo

Se a capacidade de liberar verbas por meio de convênios nunca foi tão grande quanto nos últimos oito anos, o governo federal está longe da mesma eficiência na recuperação do dinheiro desviado por maus gestores públicos e organizações não governamentais. Desde 2003, a União ajuizou ações para cobrar R$ 67,9 bilhões desviados ou mal empregados. A cada R$ 100 que escorreram pelo ralo da corrupção, conseguiu reaver, de 2003 a 2010, na Justiça R$ 2,34. Os dados são da Advocacia Geral da União (AGU), órgão responsável pelas ações de cobrança. Um desempenho medíocre, fruto da morosidade dos tribunais e da omissão dos ministérios na análise das prestações de contas de entidades, prefeituras e estados conveniados.

O grosso do dinheiro cobrado pela AGU é das chamadas transferências voluntárias, pactuadas por meio de convênios e instrumentos semelhantes. De lá para cá, sentenças judiciais garantiram devolução de R$ 1,5 bilhão, ou 2,34% do total. Desse montante, mais de 93% são de convênios. O caminho da recuperação é lento, a começar pelas providências elementares, a cargo dos órgãos federais responsáveis pela liberação.

Ao fim dos convênios, cabe a eles analisar as prestações de contas técnicas e financeiras das atividades bancadas com a verba pública, o que, não raro, leva anos. Só com elas é possível confirmar irregularidades e tentar reaver o dinheiro. Em 31 de dezembro do ano passado, a montanha sem apreciação do governo tinha 42.963 processos, cujos repasses somam R$ 18,2 bilhões, valor 9% maior que o apurado em 2009. O atraso médio na verificação era de seis anos e nove meses, aponta o Tribunal de Contas da União (TCU).

– Historicamente, a recuperação sempre foi um fiasco, um fracasso. Há um lapso de tempo grande até se descobrir o problema – constata o diretor substituto do Departamento de Patrimônio e Probidade da AGU, Tércio Issami Tokano.

Constatado o desvio, inicia-se uma via crucis burocrática. Cabe ao governo enviar ao responsável pelo convênio a cobrança administrativa – não paga, segundo a AGU, na quase totalidade dos casos. Se não houver sucesso, abre-se uma tomada de contas especial (TCE), processo formal para apurar o dano e as responsabilidades. Concluída pelo órgão responsável, a papelada é enviada à Controladoria Geral da União (CGU), que dá parecer sobre a regularidade da análise. Só então os documentos seguem para o TCU, que pode levar anos até julgar o caso e condenar o gestor à devolução da verba – a Lei Orgânica do tribunal prevê inúmeros recursos e prazos.

Se o débito não for quitado nessa fase, a decisão segue para abertura de ação pela AGU. O ressarcimento passa a depender do Judiciário.- No meu gabinete, recebo TCEs de órgãos federais extintos na década de 1990. Estamos executando agora acórdãos aprovados pelo TCU entre 2004 e 2007 – comenta Issami.

Condenado pelo TCU em 2001 a devolver verba desviada do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), o ex-senador Luiz Estevão (PMDB-DF) ainda não acertou suas contas e só ano passado decidiu tentar acordo com a AGU. O débito apurado pelo tribunal era de R$ 169,5 milhões, mas, diz o governo, acrescidos a atualização monetária, as multas e os juros de 1% ao mês, chega a R$ 900 milhões. Por ora, só R$ 54,9 milhões voltaram ao Tesouro, graças a uma decisão da Justiça Federal, que liberou montante obtido por bloqueio de pequenas movimentações das empresas de Estevão.

Por lei, ações para cobrança de desvios não prescrevem. Mas, com o tempo, os envolvidos acabam transferindo patrimônio para dificultar a execução.- Ao fim, o que ocorre é que não há mais nada em nome do devedor a penhorar – diz o advogado da União.

 

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