Kadafi pode estar nas últimas de uma ditadura terrorista, mas é bom lembrar as doces palavras de quem há pouco tempo o adulava como “o companheiro Kadafi”. Ou ainda como “companheiro e amigo Kadafi, presidente da Líbia” (09/12/03). E como ser mais fraterno que “Meu caro irmão Kadafi”? (01/07/2009). Um pouco demais, não? Mas basta procurar nos arquivos da presidência os discursos de Lula citando o ditador Líbio. Não é o representante de um estado, é o companheiro Kadafi, é o irmão Kadafi. Até mesmo em situações completamente distintas, como a assinatura do protocolo de intenções da Fiat para instalar uma indústria automotiva em Pernambuco, Lula viu uma tenda de trabalhadores no sertão pernambucano de Salgueiro e lembrou logo de Kadafi (14/12/2010). Em Porto Velho (13/08/2010), outra tenda e aí bateu saudades de Kadafi mais uma vez: “Isso não é uma barraca, não! Como é que chama isso aqui? Uma tenda. Uma tenda, parece a tenda do Kadafi. O Presidente da Líbia é que tem umas tendas assim, que ele entra e dorme.”

Na Líbia, durante a abertura da 13ª Assembleia da União Africana, Lula estava rodeado de ditadores e saudou “o papel da União Africana na promoção da paz e da democracia na África”, aproveitando para falar mal dos países desenvolvidos e do capitalismo: “Vivemos numa época de quebra de paradigmas. O Consenso de Washington fracassou. As instituições e pessoas que sempre foram pródigas em nos dar conselhos, estão hoje contabilizando a falência de suas políticas.” Talvez Kadafi era melhor conselheiro, pensava Lula.

Talvez sim, porque Lula fez questão de dizer que a relação com o ditador da Líbia não se restringia a relações institucionais Brasil-Líbia, como um caráter pragmático, apenas comercial. Não. Lula fazia questão de colocar Kadafi entre os líderes importantes e que ele se gabava de encontrar, mesmo fora do governo. Foi assim que em 07 de agosto de 2007, na Nicarágua, ao lado do sandinista Daniel Ortega, lembrou da longa relação entre os dois: “Vivi todo o trabalho que o presidente Daniel Ortega fez naquele momento para consolidar a Nicarágua enquanto um país soberano. Vivi depois, quando Daniel Ortega já não era mais presidente da Nicarágua, mas a nossa relação nunca diminuiu e nunca terminou. Desde 1980, nos encontramos dezenas de vezes. Juntos, Daniel fora do governo e eu fora do governo, nos encontramos com Mandela, com Arafat e com Kadafi, juntos nos encontramos com tantos outros líderes da América Latina e do mundo.”

Lula até reclamou da imprensa que o criticou pela ligação com Kadafi: “Eu me lembro, quando fui à Líbia, da quantidade de críticas que recebi e a quantidade de editoriais, porque fui à Líbia me encontrar com o Kadafi. Isso era uma coisa proibida, onde já se viu!” (11/05/2004, coletiva de imprensa no Palácio do Planalto). Deve ser muita injustiça da imprensa querer afastar amigos de longa data. Lula assim respondeu em coletiva no dia 30/06/09, na própria Líbia: “Olhe, eu tenho uma boa relação com o Kadafi há muito tempo. Eu já vim muitas vezes à Líbia, e agora estou esperando que o Kadafi possa visitar o Brasil, já que vamos ter um encontro África-América do Sul na Venezuela, em setembro, é o momento do Kadafi visitar o Brasil. […] E eu penso que a Líbia pode daqui a dez,15 anos, ter um potencial de crescimento extraordinário e o Brasil pode participar desse crescimento, como a Líbia pode participar do crescimento do Brasil. Acho que Kadafi e eu temos a obrigação de acreditar nessa relação e fortalecer essa relação.”

Já o povo da Líbia tinha outras ideias. Decidiu tirar Kadafi do poder, nem que seja à força.

Por Renato Lima