Mais um editorial digno de leitura da Folha de São Paulo

Investigação corre perigo de descarrilar ao desviar foco de Cachoeira e Demóstenes Torres para jornalistas e o procurador Roberto GurgelComeçou mal a CPI mista para investigar o caso Cachoeira, com a já conhecida aposta na confusão por parte dos setores mais aloprados do Congresso.O que mais se deveria esperar de uma comissão em que personagens da estatura de um Fernando Collor de Mello e de um Protógenes Queiroz se aliam na tentativa de cercear a imprensa? Doses crescentes de desatino, por certo.

A CPI foi criada para investigar, com os amplos poderes que lhe dá o artigo 58 da Constituição, a comprometedora teia de relações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, acusado de explorar jogos ilegais, com figuras públicas. Por exemplo, com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e os governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF) -além de uma das maiores empreiteiras do país, a Delta, campeã em obras do PAC.

 

Foi o pretexto para a ala do PT mais afetada pelo processo do mensalão tentar fazer da CPI um antídoto para o julgamento por iniciar-se no Supremo Tribunal Federal. Em seu afã vindicativo, abriu até uma frente de conflito institucional com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

O chefe do Ministério Público Federal ganhou a hostilidade do lulo-petismo por ter pedido a condenação de mensaleiros. De forma maliciosa, com o indisfarçável propósito de intimidá-lo, essa facção o acusa agora de ter protegido Demóstenes ao apontar a insuficiência dos elementos colhidos pela primeira operação da Polícia Federal (Vegas) contra Cachoeira.

O presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), parece inclinado a seguir em frente com a ideia extravagante de chamar Gurgel a se explicar perante a comissão. O procurador-geral já deu sinais de que se recusará, em manifestação de independência. É no mínimo duvidoso que o Supremo reconheça entre os poderes da CPI o de forçá-lo a comparecer.

Tampouco surgiu até agora qualquer indício de má conduta que justifique a intimação de jornalistas da revista “Veja” para depor, como almejam setores do PT -que, aliás, não contam com o apoio do Planalto para essa revanche pelos sucessivos escândalos revelados.

 

Igualmente descabido é o sigilo extremo adotado pelo presidente da CPI e seu relator, deputado Odair Cunha (PT-MG). Não só já se mostrou ineficaz, pois não cessam de vazar os depoimentos supostamente secretos, como ainda contraria o escopo de toda CPI, que é expor ao público fatos e condutas de agentes oficiais sob suspeita.

É comum ouvir que CPIs têm tendência a degenerar em circo. As sessões iniciais sugerem que os piores prognósticos caminham para confirmar-se, e bem cedo.