Por Gaudêncio Torquato

 

A indagação é oportuna: quais perspectivas se apresentam ao país em curto e médio prazos, tendo como pano de fundo as renitentes mobilizações populares? Perguntinha complexa, à qual Luís Pereira, fosse vivo, poderia responder. Pintor de paredes, 200 votos, assumiu o lugar de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas em Pernambuco, cassado pela ditadura. De roupa nova, vibrando de emoção, como conta Sebastião Nery, tomou um susto com a pergunta feita por Murilo Melo Filho no desembarque em Brasília:

“Excelência, como vai a situação?”. Sem saber o que dizer, olhou para um lado, para o outro, para o alto, fixou os olhos no jornalista e tascou: “As perspectivas são piores que as características”.

Pois é, as características do ciclo que se abre no país sinalizam perspectivas nada animadoras para os atores individuais, eis que enfrentarão um eleitor mais crítico, e, nesse caso, a resposta do pintor de paredes até esbarra na lógica para prever os horizontes dos próximos tempos, mesmo que fique patente o uso dos termos como tinta para colorir a mais embrulhada abstração. Quem sabe, a fonética das duas palavras não soaria ao interlocutor como algo elevado?

Já na esfera dos costumes e das práticas políticas, as perspectivas contrariam o pessimismo do nosso personagem. São promissoras. Estacas morais foram e continuam sendo cravadas no solo esburacado da política pelos braços dos movimentos que tomam as ruas das cidades. A nova ordem que se esboça passa a abrigar um alentado acervo de princípios e valores que, mais cedo ou mais tarde, balizarão as imprescindíveis reformas no edifício político.

 

PIRÂMIDE SOCIAL

 

Como é sabido, a maioria do eleitorado habitou por décadas as bases da pirâmide social, constituindo, em razão de precárias condições de vida, massa de manobra dos quadros políticos. Seu processo decisório se ancora na emoção, que transparece em votos de agradecimento por benesses e bolsas recebidas, no adjutório esporádico que os políticos pulverizam a torto e a direito, usando migalhas do poder como forma de cooptação.

Essa obsoleta modelagem está com os dias contados. O meio da pirâmide já soma 53%, cerca de 104 milhões de pessoas, quando há dez anos somente 38% habitavam esse espaço. É evidente que a absorção de valores não se dá de maneira abrupta, mas é fato que critérios racionais começam a substituir os emotivos no processo de escolha de representantes.

A crítica social, que atinge o mais alto grau da contemporaneidade, é fruto da consciência crescente sobre o papel do Estado, a missão dos homens públicos e os direitos da cidadania. Hoje, nada parece escapar aos olhos de grupos e multidões, que, não faz muito tempo, agiam como massas amorfas, sem capacidade de reagir e interagir com os atores do palco institucional. Hoje as ruas são ocupadas por grupos e categorias profissionais, contidas em seus limites, defendendo interesses corporativos, diferenciando-se pela especialização. Bem diferentes das massas abertas do passado.

 

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