A tecnologia na goma de cajú

O sertanejo conhece: do cajueiro aproveita-se praticamente tudo. Da amêndoa da castanha-de-caju, localizada no interior próprio da castanha, até os restos dos galhos podados, passando pela casca da castanha até o fruto propriamente, a utilização espalha-se pela indústria química de tintas e vernizes, lubrificantes, agronegócio e alimentação animal. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cientistas buscam patentear uma nova aplicação com a utilização de resina de cajueiro, a goma de caju, para implementar o processo de composição de ferritas nanoestruturadas, substâncias que apresentam grande relevância na aplicabilidade das tecnologias modernas, como memórias magnéticas, chips, placas de eletrônicos e imãs.

“Embora as ferritas nanoestruturadas sejam bastante conhecidas na literatura, o grande foco do trabalho foi a utilização de um produto nativo brasileiro, mais especificamente localizado no Nordeste do Brasil como a goma de caju, o que serve de exemplo que produtos locais podem ser de suma importância para a economia, ao agregarmos um valor econômico”, colocou Evanimek Bernardo Sabino da Silva, um dos pesquisadores envolvidos no desenvolvimento da tecnologia.

O uso da goma no processo se deu através do método de síntese sol-gel com utilização de macromoléculas. No caso, a goma atua como a macromolécula, como uma espécie de organizador sintético do sistema, facilitando a formação das nanopartículas. “Um outro aspecto que chamou atenção é que, pelas características do processo, o sistema de síntese se adequou perfeitamente aos 12 passos referentes à química verde”, pontuou Marco Antônio Morales Torres, que integra o grupo de inventores autor do depósito de patente. A química verde é alicerçada no conceito de que os elementos químicos não podem degradar a natureza, em um contexto de cada vez maior atenção aos problemas de poluição e esgotamento de recursos.

Os 12 passos aos quais o docente Marco Morales refere-se são: prevenção, economia de átomos, síntese de produtos menos perigosos; desenho de produtos seguros, solventes e auxiliares mais seguros, busca pela eficiência de energia, uso de fontes renováveis de matéria-prima, evitar a formação de derivados, catálise, desenho para a degradação, análise em tempo real para a prevenção da poluição e química intrinsecamente segura para a prevenção de acidentes. “Desses princípios, a implementação da economia de átomos, solventes auxiliares seguros e fontes renováveis de matéria prima, foram essenciais para o desenvolvimento do processo de síntese como uma pequena implementação”, acrescentou Evanimek.

Denominado “Sistema de nanopartículas do tipo ferritas de Ni e Co produzido por síntese verde utilizando goma de caju como precursor”, o pedido de patente tem como autores, além de Marco e Evanimek, Severino Ramalho da Silva Ferreira, Ademir Oliveira da Silva, Jefferson Andrey Lopes Matias, Anderson dos Reis Albuquerque e João Bosco Lucena de Oliveira. A pesquisa que resultou na nova tecnologia foi desenvolvida no Instituto de Química, em parceria com o Departamento de Física Teórica e Experimental, nas dependências do Laboratório de Síntese de Sistemas Complexos e Materiais Inorgânicos.

A respeito do desenvolvimento atual da tecnologia, João Bosco Lucena de Oliveira esclarece que o método de processo está em estágio final, somente sendo necessário a validação de sua reprodutibilidade e aplicação da mesma na síntese de novos materiais. “Isso gerara mais confiabilidade no processo e melhoria em suas aplicações”, frisa.

O que é um pedido de patente?

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores, autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Assim, o depósito de pedido de patente é o primeiro passo para garantir direitos de comercialização exclusiva, por um determinado período, de uma nova invenção com aplicação industrial.

Nesse primeiro momento, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) “guarda” o documento por 18 meses em sigilo. Em seguida, o estudo é publicado e fica o mesmo período aberto a contestações. Após os três anos, o Instituto parte para a análise em si e, se não encontrar nada parecido, faz a concessão. Por causa disso, a concessão costumeiramente acontece após cinco anos do depósito.

Na UFRN, a Agência de Inovação (AGIR) é responsável pela orientação aos inventores quanto aos procedimentos e requisitos de patenteabilidade dos resultados das pesquisas realizadas, bem como sobre aspectos da própria gestão da propriedade intelectual. Esta é a 27ª patente depositada pela UFRN em 2020, aproximando-se dos 31 pedidos – número recorde da Universidade registrado nos anos de 2015, 2017 e 2019.

Sugestão de legenda para foto: cientistas no laboratório, durante análise dos resultados.

Wilson Galvão – ASCOM – Agência de Inovação da Reitoria/UFRN