O Globo

A iniciativa de limitar a atuação das redes sociais no Brasil e proibir que as plataformas apaguem publicações ou suspendam usuários — objeto de um decreto preparado pelo governo Bolsonaro, com parecer favorável da Advocacia-Geral da União — é vista com cautela pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), onde o texto, caso seja editado, pode vir a ser questionado.

Embora o decreto gestado pela Secretaria de Cultura ainda mantenha o poder do Judiciário de tirar publicações do ar, integrantes da Corte ouvidos reservadamente observam que a discussão sobre a retirada de conteúdos e contas das redes sociais deveria se dar no Congresso Nacional. O tema também é sensível ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem analisado a remoção de conteúdos ligados ao processo político.

HAVER REGRAS – Antes da elaboração do decreto vir a público, ministros do Supremo já vinham se manifestando sobre a questão da retirada de conteúdos das redes sociais.

Na quarta-feira, em uma aula inaugural, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu cautela e critérios transparentes para a retirada de publicações:

— Passa a ser um poder privado de banir do espaço público uma pessoa. É preciso ter regras, pois senão um ator privado vai escolher os discursos, e compromete o debate público. As redes devem, sim, ter o direito de excluir posts ou pessoas, mas os critérios precisam ser transparentes. A ideia do Facebook de ter um painel para tomar essas decisões é uma ideia interessante de autorregulação.

CAMPANHAS DE ÓDIO – Ainda durante a palestra, Barroso chamou a atenção para o uso das redes sociais para a difusão de campanhas de ódio, de desinformação e teorias conspiratórias. Para o ministro, as campanhas de desinformação passaram “a ser uma estratégia de poder, uma estratégia de ascensão política, uma ocupação de espaços no espaço público”.

Em 2019, após o julgamento de um recurso da campanha de Fernando Haddad no TSE, o ministro Alexandre de Moraes defendeu um entendimento mais duro da Corte eleitoral sobre decisões que determinam a remoção de conteúdo falso.

As decisões da Justiça Eleitoral só valem durante as campanhas — depois das eleições, o conteúdo pode ser republicado e quem se sentir ofendido deve buscar a Justiça comum. Para Moraes, no entanto, o veto tem de ser mantido após o período eleitoral para garantir o direito à honra dos ofendidos e evitar nova onda de fake news.

PRETENSÃO DO GOVERNO – O decreto foi produzido pela Secretaria Nacional de Direitos Autorais, vinculada à Secretaria de Cultura. Segundo o texto, os provedores de serviço só poderão agir por determinação da Justiça ou para suspender perfis falsos, automatizados ou inadimplentes.

O bloqueio de conteúdos sem decisão judicial também só poderá ocorrer em casos específicos, como nudez, apologia ao crime, apoio a organizações criminosas ou terroristas, violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente e incitação de atos de ameaça ou violência. O texto foi encaminhado ao Palácio do Planalto e a outros ministérios na última semana.