Por Claudemir Gomes*

Entre a noite do Oriente, e o dia do Ocidente, existirá sempre a barreira do sono. São linhas paralelas que nunca se cruzam. Eis a razão pela qual não foi fácil acompanhar, em tempo real, as Olimpíadas de Tóquio, cuja cerimônia de encerramento aconteceu na manhã deste domingo (do lado de cá), e a noite (do lado de lá).

A abertura, e o epílogo, de todas as edições dos Jogos Olímpicos são sempre marcantes, mas as Olimpíadas de Tóquio entra para a história com as marcas da inclusão, da igualdade, fato que as tornou mais humana. Nada mais real, e efetivo, para traduzir a proposta dos Jogos realizados durante uma travessia pandêmica, do que o pódio das duas maratonas, feminina e masculina, formado no capítulo final. A maratona é o ponto alto dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. No pódio feminino, duas atletas negras do Quênia e uma branca, dos Estados Unidos. No pódio masculino, três atletas negros, mas dois com passaportes de imigrantes, representando a Bélgica e a Holanda. O medalha de ouro foi do Quênia.

A pira olímpica foi acesa por uma mulher; o percentual de mulheres atletas em Tóquio foi fantástico; as saudações a França, próximo país a sediar os Jogos, foram marcadas pela presença feminina, cantora, regente de orquestra, enfim, as Olimpíadas deixam Tóquio mais humanizada, menos preconceituosa.

Os atletas olímpicos são gigantes, mas até entre eles existem os “deuses” como  Usain Bolt e Maicon Phelps, que não competiram no Japão e deixaram todos os outros atletas com a certeza da igualdade. Os “extraterrestres”, como Simone Biles, atleta que desembarcou em Tóquio sob pressão para conquistar seis medalhas de ouro, também são humanos, são iguais. E o mundo foi solidário ao grito de “basta”, dado pela atleta que adoeceu por ter sido tratada como máquina programada para bater recordes.

O contraditório foi a marca mais expressiva registrada nos Jogos de Tóquio. Nas disputas, os atletas numa busca incessante pela superação, que podia ser através da marca pessoal; da conquista de medalhas até a quebra de recordes olímpico ou mundial. Para um atleta olímpico não existe limites. Por outro lado, na esfera comportamental, a competição foi marcada pela imposição de limites. Não ao preconceito, a discriminação, e a tudo que vai de encontro a igualdade das raças, dos seres humanos.

E sem a integração dos povos nas ruas, sem a alegria das arquibancadas nas arenas e nos estádios, o mundo ouviu melhor o brado dos atletas. Uma Cuba abraçada por várias bandeiras; a solidariedade das nações adotando imigrantes; uma gigante venezuelana batendo recorde olímpico e mundial na conquista do ouro no salto triplo; o charme da mulata Rebeca no seu baile sedutor com o brilho da prata;  uma israelita quebrando a hegemonia russa na ginástica rítmica; as pequenas japoneses conquistando medalha de prata no basquete feminino; assistiram a chegada do skate, que deixa as ruas para receber o referendo de esporte olímpico; viram a natureza mudar o curso da história nas disputas do surf.

As Olimpíadas de Tóquio foram realmente humanas.
Elas até nos levaram a descobrir um Brasil Caboclo, que luta como gigante nas comunidades, superando as dificuldades do dia a dia, mas que vale prata, ouro ou bronze. Afinal, nosso País sempre foi rico em minérios.

O anoitecer em Tóquio brindará os japoneses com o sono dos justos. Oxalá, o despertar no Brasil leve nossos políticos a enxergarem que, nosso País clama por uma política desportiva. Não podemos viver eternamente esperando a magia de uma fadinha e os milagres da periferia.

*Jornalista