João Gualberto Jr.

O furdúncio causado pelo boato da extinção do Bolsa Família deixou diversas impressões. O disse me disse sobre quem foi que espalhou a informação falsa – se foram “eles” ou mera coisa de gaiato – vai render até inquérito da Polícia Federal. Mas essa apuração não vem ao caso aqui.
Um “freeze” nas imagens: agências da Caixa superlotadas em 12 Estados. Gente sofrida se espremendo para alcançar o terminal eletrônico para sacar o dinheiro, que seria o último: filas gigantes, mulher com cartão na mão, menino no colo e fisionomia de apreensão. A notícia veloz, distintivo das piores, correu de boca em boca, entre vizinhos e famílias pobres que dependem do benefício.

As cenas desse fim de semana lembraram as dos anos 80, aquela época de hiperinflação maldita, quando cruzado, cruzeiro ou seja lá o que fosse virava capim ao orvalho se ficasse fora da caderneta de poupança. Tracejava feito busca-pé o boato de que o banco X iria quebrar. Os correntistas corriam até as agências para salvar o quanto tivessem depositado. Se a financeira ou o Banco Central (em caso de endemia) não decretasse feriado bancário a tempo, o tal banco iria mesmo à lona: tolo quem pensa que dinheiro aplicado fica parado no cofre à disposição do poupador para resgate.

O que liga os sustos da hiperinflação e o do Bolsa Família? O desespero diante da possibilidade de perder o pouco que se tem. Debater se o programa nº 1 de Lula e Dilma é bom, justo ou meritório é tema para outra ocasião. Certeza é o recado expresso nas legendas das sequências de pandemônio: “não mexam no meu dinheiro”. Esse é um retrato de um lado do país, com suas 14 milhões de famílias atendidas e outros tantos cidadãos, que, indiretamente, compõem e se beneficiam de sua rede de redistribuição.

“DECÊNIO”

Mas há uma outra pátria, que anda com as próprias pernas e assim pretende seguir. São empreendedores, profissionais liberais ou mesmo assalariados que externam uma nota de protesto nunca tão audível desde a escalada do PT ao Palácio do Planalto, o tal “Decênio”. Há também estudantes, artistas e intelectuais nesse bando crescente, que, não necessariamente, se cobre com cores partidárias. O guarda-chuva que os abriga é o incômodo em relação ao crescimento do Estado.

É um movimento desarticulado que está em blogs, está em vídeos no YouTube, está no livro do Lobão, está na imprensa, atingiu as rodas de conversa nesses botecos de esquina. São grupos de pessoas que não recebem Bolsa Família e, por isso mesmo, só pretendem trabalhar, estudar, se divertir e se informar com o mínimo possível de intervenção governamental em suas vidas e usufruindo ao máximo do patrimônio que acumularam ao longo de anos e anos de jornada.

Tudo bem, falar em golpe é sensacionalismo puro, assim como o fim do Bolsa Família soa a conspiração. É que, também na desinformação, 2014 já chegou.

 

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