Por Tereza Cruvinel (Correio Braziliense)
Empurrado pelos protestos, o Congresso ralou esta semana votando pontos de uma agenda positiva para baixar a temperatura externa, que ontem voltou a subir. O senador Luiz Henrique (PMDB-SC) recordou o velho refrão de Ulysses Guimarães: “Ou mudamos ou seremos mudados”.
Votando a todo vapor, deputados e senadores pouco debateram sobre os caminhos para a reforma política, a mãe de todas as mudanças na democracia brasileira. A proposta de plebiscito, em que se fixou a presidente Dilma, descartando a constituinte exclusiva, é de complexa execução, o que suscitou ontem algumas defesas da opção pelo referendo. Mas há também o plebiscito com referendo, por que não?
Toda forma de consulta tem seus problemas, mas representam a radicalização da democracia, que está no intertexto dos protestos, quando pedem mais participação e controle sobre a política. Falar em chavismo é um despautério, até porque não foi o governo que colocou o povo nas ruas e o pautou. Pelo contrário, todos os governos, em todas as esferas, estão no alvo, embora sobre mais para quem está no topo, a presidente. Nas democracias mais respeitáveis, exercita-se com frequência a democracia direta, por sinal prevista em nossa Constituição.
RISCO FRANKENSTEIN
Vamos aos problemas do plebiscito. Uma consulta popular, em que o eleitor apontará preferências, dizendo não ou sim, dificilmente produzir um sistema político-eleitoral racional, ou seja, um conjunto de normas que guardem coerência entre si. O resultado pode até produzir, no limite, um sistema “Frankenstein”, que tivesse, por exemplo, voto em lista com financiamento privado.
Conforme explicações dos dois ministros mais envolvidos com o tema, José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Aloizio Mercadante, da Educação, a presidente apresentará ao Congresso uma sugestão de temas que comporiam a consulta. O Congresso não deve apenas transpor a proposta dela para um decreto legislativo convocatório, prerrogativa exclusivamente dele. Fará emendas, certamente. O problema é: quantos e quais perguntas serão feitas ao eleitor?
O sistema tem muitos aspectos que funcionam mal e são criticados pelos resultados nefastos que produzem. Tomemos, para exemplificar, o conjunto de sete propostas apresentadas à comissão de reforma política da Câmara pelo deputado José Antônio Reguffe (PDT-DF). Ali aportou a proposta do Senado, que teve o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) como relator. Em busca de consenso, o relator na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), acabou reduzindo a proposta ao financiamento público de campanhas e ao sistema eleitoral belga (misto de voto proporcional com voto em lista).
FALTA MUITA COISA
No plenário, entretanto, há dois meses, não houve acordo nem para começar a votação. Pois bem. Reguffe sugeriu, sem sucesso, mudanças mais abrangentes: adoção do voto facultativo, a possibilidade de candidaturas avulsas, o fim da reeleição para cargos executivos, limite de uma só reeleição para parlamentares, voto distrital puro, revogabilidade dos mandatos (recall), financiamento exclusivamente público de campanhas e proibição, a ocupantes de cargos eletivos, de ocupar cargos no Executivo. E ainda falta, nessa lista, incluir a proibição de que parentes sejam suplentes de senadores.
Dificilmente, a cédula do plebiscito poderá conter todos esses pontos, embora eles apareçam, juntos ou em parte, em quase todas as propostas de reforma política. Algumas escolhas não são simples. A opção entre voto proporcional ou distrital exigirá definição mais precisa sobre que tipo de distrital. Misto ou puro? Quantos serão os distritos? Como seriam fixados? Isso significa que o artigo da Constituição que tratar dessa matéria será modificado por uma emenda, derivada do resultado do plebiscito, e alguns parágrafos e incisos complementares, que terão de ser elaborados, redigidos e votados pelo próprio Congresso. A mesma exigência se aplica a outros temas. Como o diabo mora nos detalhes, nesses complementos o resultado poderá não ser bem o que o eleitor desejou.
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