ABC DO NORDESTE FLAGELADO

Patativa do Assaré

A — Ai, como é duro viver

nos Estados do Nordeste

quando o nosso Pai Celeste

não manda a nuvem chover.

É bem triste a gente ver

findar o mês de janeiro

depois findar fevereiro

e março também passar,

sem o inverno começar

no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente

reclamando o verde pasto,

desfigurado e arrasto,

com o olhar de penitente;

o fazendeiro, descrente,

um jeito não pode dar,

o sol ardente a queimar

e o vento forte soprando,

a gente fica pensando

que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço,

como os trapos de um lençol,

pras bandas do pôr do sol,

as nuvens vão em fracasso:

aqui e ali um pedaço

vagando… sempre vagando,

quem estiver reparando

faz logo a comparação

de umas pastas de algodão

que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã,

vem da montanha um agouro

de gargalhada e de choro

da feia e triste cauã:

um bando de ribançã

pelo espaço a se perder,

pra de fome não morrer,

vai atrás de outro lugar,

e ali só há de voltar,

um dia, quando chover.

E — Em tudo se vê mudança

quem repara vê até

que o camaleão que é

verde da cor da esperança,

com o flagelo que avança,

muda logo de feição.

O verde camaleão

perde a sua cor bonita

fica de forma esquisita

que causa admiração.

F — Foge o prazer da floresta

o bonito sabiá,

quando flagelo não há

cantando se manifesta.

Durante o inverno faz festa

gorjeando por esporte,

mas não chovendo é sem sorte,

fica sem graça e calado

o cantor mais afamado

dos passarinhos do norte.

G — Geme de dor, se aquebranta

e dali desaparece,

o sabiá só parece

que com a seca se encanta.

Se outro pássaro canta,

o coitado não responde;

ele vai não sei pra onde,

pois quando o inverno não vem

com o desgosto que tem

o pobrezinho se esconde.

H — Horroroso, feio e mau

de lá de dentro das grotas,

manda suas feias notas

o tristonho bacurau.

Canta o João corta-pau

o seu poema funério,

é muito triste o mistério

de uma seca no sertão;

a gente tem impressão

que o mundo é um cemitério.

I — Ilusão, prazer, amor,

a gente sente fugir,

tudo parece carpir

tristeza, saudade e dor.

Nas horas de mais calor,

se escuta pra todo lado

o toque desafinado

da gaita da seriema

acompanhando o cinema

no Nordeste flagelado.

J — Já falei sobre a desgraça

dos animais do Nordeste;

com a seca vem a peste

e a vida fica sem graça.

Quanto mais dia se passa

mais a dor se multiplica;

a mata que já foi rica,

de tristeza geme e chora.

Preciso dizer agora

o povo como é que fica.

L — Lamento desconsolado

o coitado camponês

porque tanto esforço fez,

mas não lucrou seu roçado.

Num banco velho, sentado,

olhando o filho inocente

e a mulher bem paciente,

cozinha lá no fogão

o derradeiro feijão

que ele guardou pra semente.

M — Minha boa companheira,

diz ele, vamos embora,

e depressa, sem demora

vende a sua cartucheira.

Vende a faca, a roçadeira,

machado, foice e facão;

vende a pobre habitação,

galinha, cabra e suíno

e viajam sem destino

em cima de um caminhão.

N — Naquele duro transporte

sai aquela pobre gente,

agüentando paciente

o rigor da triste sorte.

Levando a saudade forte

de seu povo e seu lugar,

sem um nem outro falar,

vão pensando em sua vida,

deixando a terra querida,

para nunca mais voltar.

O — Outro tem opinião

de deixar mãe, deixar pai,

porém para o Sul não vai,

procura outra direção.

Vai bater no Maranhão

onde nunca falta inverno;

outro com grande consterno

deixa o casebre e a mobília

e leva a sua família

pra construção do governo.

P – Porém lá na construção,

o seu viver é grosseiro

trabalhando o dia inteiro

de picareta na mão.

Pra sua manutenção

chegando dia marcado

em vez do seu ordenado

dentro da repartição,

recebe triste ração,

farinha e feijão furado.

Q — Quem quer ver o sofrimento,

quando há seca no sertão,

procura uma construção

e entra no fornecimento.

Pois, dentro dele o alimento

que o pobre tem a comer,

a barriga pode encher,

porém falta a substância,

e com esta circunstância,

começa o povo a morrer.

R — Raquítica, pálida e doente

fica a pobre criatura

e a boca da sepultura

vai engolindo o inocente.

Meu Jesus! Meu Pai Clemente,

que da humanidade é dono,

desça de seu alto trono,

da sua corte celeste

e venha ver seu Nordeste

como ele está no abandono.

S — Sofre o casado e o solteiro

sofre o velho, sofre o moço,

não tem janta, nem almoço,

não tem roupa nem dinheiro.

Também sofre o fazendeiro

que de rico perde o nome,

o desgosto lhe consome,

vendo o urubu esfomeado,

puxando a pele do gado

que morreu de sede e fome.

T — Tudo sofre e não resiste

este fardo tão pesado,

no Nordeste flagelado

em tudo a tristeza existe.

Mas a tristeza mais triste

que faz tudo entristecer,

é a mãe chorosa, a gemer,

lágrimas dos olhos correndo,

vendo seu filho dizendo:

mamãe, eu quero morrer!

U — Um é ver, outro é contar

quem for reparar de perto

aquele mundo deserto,

dá vontade de chorar.

Ali só fica a teimar

o juazeiro copado,

o resto é tudo pelado

da chapada ao tabuleiro

onde o famoso vaqueiro

cantava tangendo o gado.

V — Vivendo em grande maltrato,

a abelha zumbindo voa,

sem direção, sempre à toa,

por causa do desacato.

À procura de um regato,

de um jardim ou de um pomar

sem um momento parar,

vagando constantemente,

sem encontrar, a inocente,

uma flor para pousar.

X — Xexéu, pássaro que mora

na grande árvore copada,

vendo a floresta arrasada,

bate as asas, vai embora.

Somente o saguim demora,

pulando a fazer careta;

na mata tingida e preta,

tudo é aflição e pranto;

só por milagre de um santo,

se encontra uma borboleta.

Z — Zangado contra o sertão

dardeja o sol inclemente,

cada dia mais ardente

tostando a face do chão.

E, mostrando compaixão

lá do infinito estrelado,

pura, limpa, sem pecado

de noite a lua derrama

um banho de luz no drama

do Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei

aquilo que observei;

tenho certeza que dei

aprovada relação.

Tudo é tristeza e amargura,

indigência e desventura.

— Veja, leitor, quanto é dura

a seca no meu sertão

 

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