Manifestações de rua e alienação eleitoral

*Maurício Costa Romão

 

Os movimentos insurgentes de junho, enquanto arena de mobilização popular de rua, criaram a falsa impressão de que haviam sido de caráter episódico, visto que desapareceram repentinamente.

Ledo engano. As pesquisas eleitorais que se sucedem umas às outras – funcionando como caixa de ressonância do pensamento da população – têm revelado que as insatisfações permanecem latentes, só que agora externalizadas de forma recôndita. A queda substancial na avaliação da gestão de governantes desde o meio do ano, urbi et orbi, é prova eloquente disso.

É muito provável, portanto, que essas inquietudes perdurem até as eleições, mesmo porque algumas das demandas que as motivaram não podem ser atendidas no curto prazo, e outras tantas ainda não sensibilizaram seus destinatários, particularmente as de cunho ético-político.

A questão que se coloca é de que forma esse modo da população afetará os resultados do pleito que se avizinha. Pelo menos três hipóteses podem ser aventadas:

 

1 – Os eleitores serão mais rigorosos nas suas escolhas, descartando candidaturas cujo perfil não se enquadra na moldura-padrão desenhada em junho, em especial, aquelas identificadas com sinais de desvios éticos.

 

2 – A taxa de renovação parlamentar será das mais elevadas: o clima é de decepção com a autorreferência do Legislativo, completamente dissonante com a pauta do povo, é de cansaço com os políticos e com a prática política atual, é, enfim, de desalento com a representação. Nada mais propulsora de mudanças do que essa atmosfera.

 

3 – Os incumbentes terão mais dificuldades de se reelegerem ou de fazerem seus sucessores: os levantamentos de opinião já sinalizaram que a população está julgando suas gestões de forma mais severa depois das erupções reivindicatórias do meio do ano, prenúncio de que os governantes encontrarão resistências nas urnas.

 

Um impacto que ainda não está sendo considerado pelos analistas diz respeito ao aumento do alheamento eleitoral, que é mensurado pelo total de eleitores que não comparecem às urnas, que votam em branco, ou que anulam o voto.

 

A persistência das insatisfações populares tende a elevar o mencionado indicador, provavelmente atingindo níveis superiores aos registrados nas últimas eleições. Nos primeiros turnos dos pleitos de 2010 para presidente, e de 2012 para prefeito, a alienação eleitoral chegou a 27% em cada cargo.

 

Com o eleitorado no Brasil crescendo pouco, a uma taxa geométrica média anual de 0,5%, o aumento da alienação eleitoral diminui os votos válidos. Como consequência, fica mais fácil para quem lidera as corridas presidencial ou governamental atingir 50% mais um dos votos válidos e encerrar o certame na sua primeira fase.

 

Por exemplo, se na eleição de 2010 para presidente a soma da abstenção com os votos nulos e em branco tivesse sido de 30% ao invés de 27%, não teria havido segundo turno entre Dilma e Serra.

 

Sob este prisma, então, as manifestações de rua, sendo estendidas às eleições, na forma de alheamento eleitoral, podem ensejar um resultado indesejado: subtrair a possibilidade de ocorrência de segundo turno, momento mais oportuno para se avaliar as candidaturas líderes e suas propostas.

 

Outro impacto se dá nas eleições proporcionais, desta feita facilitando a vida dos partidos e coligações: o quociente eleitoral baixa na proporção da queda nos votos válidos, dado o número de cadeiras do Parlamento.

 

Aí, mais uma vez, o intento do protestante pode ter efeito contrário ao esperado. Com um quociente eleitoral mais baixo, partidos e coligações de menor densidade eleitoral podem ascender ao Legislativo com candidatos menos representativos.

 

O corolário é evidente: a melhor maneira de o cidadão transportar as insatisfações de junho para a eleição de 2014 é comparecer ao pleito e votar em candidatos, escolhendo aqueles que mais reúnem condições de contribuir com o aprimoramento do processo político e para o atendimento da pauta que impulsionou o movimento.

 

*Cientista Político.

 

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