Por Thais de Luna e Julia Chaib
Correio Braziliense
“É inaceitável que uma situação como esta se prolongue por tanto tempo sem nenhuma atitude efetiva das autoridades responsáveis”. A nota divulgada ontem pela Anistia Internacional sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, chama a atenção para uma pergunta difícil de responder: de quem é a culpa pelos mais de 150 assassinatos ocorridos no sistema carcerário maranhense desde 2007? Enquanto o jogo de empurra se desenrola entre os Executivos federal e estadual, o mundo lança olhares repreensivos para as autoridades brasileiras.
O governo do Maranhão preferiu classificar como “inverdades” as barbaridades relatadas pelo Conselho Nacional de Justiça após vistoria em Pedrinhas e alegar que investiu R$ 130 milhões em melhorias nas cadeias. A responsabilidade pelo caos, no entendimento estadual, é de facções criminosas que atuam livremente dentro das prisões — por mais que a ordem e a segurança nos presídios devam ser garantidas justamente pela gestão da governadora Roseana Sarney (PMDB).
A problema do sistema penitenciário maranhense vai além dos muros do presídio e agrava a situação do estado com o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano do país. Por ordem dos chefes de facções detidos, bandidos instalaram o caos na cidade na última semana.
Ontem, um policial do Serviço de Inteligência da Polícia Militar do Maranhão recebeu uma ameaça de morte pelo celular. No início da noite, foram divulgadas as imagens do ataque que incendiou o ônibus em que estava Ana Clara Santos Sousa, na última sexta-feira. A menina de 6 anos morreu três dias depois, com 98% do corpo queimados. Desde o início do ano passado, 62 detentos foram assassinados no local. Permanecem internadas a irmã de Ana Clara, de 1 ano e cinco meses, e a mãe, Juliane Carvalho Santos, 22 anos. Outras duas pessoas também continuam sob cuidados médicos.
O Ministério da Justiça (MJ) afirma que os R$ 20 milhões que seriam repassados ao Maranhão, em 2011, para a construção de duas cadeias públicas, não foram investidos “porque os projetos apresentados (pelo estado) não foram aprovados”. Acontece que, das 83,5 mil vagas prometidas pelo governo federal, desde a segunda gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, nenhuma foi entregue, como mostrou o Correio recentemente. Ontem, o MJ prorrogou até 23 de fevereiro a atuação emergencial da Força Nacional de Segurança Pública dentro de Pedrinhas, atendendo um pedido de Roseana.
CORRESPONSÁVEIS
Apesar das alegações de que têm agido para resolver o problema, especialistas avaliam que a União e os estados são corresponsáveis pela situação degradante dos presídios brasileiros. “Os estados só ligam para essa questão quando dá problema. Se fosse prioridade, se conseguiriam bons projetos. Quando é para algo que vai trazer voto, sempre arranjam bons técnicos”, analisa o cientista político Guaracy Mingardi. “Eram coisas sem pé nem cabeça, que não explicavam como o dinheiro seria gasto. Não dava para assinar, senão eu seria processado”, recorda, sobre projetos que analisou enquanto foi subsecretário Nacional de Segurança Pública. Para Mingardi, o Judiciário também tem uma parcela de culpa, já que, pela morosidade nos julgamentos, gera uma multidão de presos não condenados. “Você não pode cumprir pena sem ser julgado. E, se depois for considerado inocente, quem vai te devolver o tempo preso?”
José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da Polícia Militar (PM), e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, ressalta que a área também não é prioridade para a União. Ele cita como exemplo o Fundo Penitenciário Nacional. Apesar de receber cerca de R$ 200 milhões por ano, o governo sistematicamente reduz os valores do fundo e os reverte para o pagamento de juros. “Então, uma série de medidas, como reforma de presídios, treinamento de funcionários, aumento de vagas deixam de ser feitas para se criar um superavit primário”, critica.
REPERCUSSÃO
Começam a chover críticas internacionais ao país. A ONG Human Rights Watch classificou os “crimes bárbaros” de Pedrinhas como “parte de um problema muito mais amplo de violência e caos nas prisões maranhenses”. Para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, é lamentável “ter que, mais uma vez, expressar preocupação com o péssimo estado das prisões no Brasil”.
De acordo com o embaixador José Botafogo Gonçalves, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, o prejuízo ao país com as repreensões internacionais vai além de um simples simbolismo. “É uma mancha na reputação brasileira, e não só deste governo, mas dos antecedentes”, analisa. Para Gonçalves, no entanto, as críticas externas podem acordar os governos “para que o país passe a se comportar civilizadamente, de acordo com o direito penal brasileiro — no qual a pena não deveria ter sentido punitivo, mas de reeducação — e com os compromissos internacionais de direitos humanos que ele próprio assumiu”.
Enquanto isso, são 80 kg de lagosta, 750 kg de caranguejo e 2,5 toneladas de camarão. A lista dos produtos pedidos para suprir as residências oficiais do governo do Maranhão em 2014 é extensa e soma mais de R$ 1,1 milhão. Também não ficaram de fora itens como salmão fresco e defumado, sorvetes e 2,5 mil litros de refrigerante. Os leilões divulgados ontem saem do forno no momento em que o estado enfrenta a pior crise da história no sistema penitenciário.
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