Por Murillo de Aragão
Não há como praticar uma nova política sem ao menos iniciar de forma consistente uma reforma política. O Brasil flerta perigosamente com o arbítrio e o autoritarismo, travestidos por práticas clientelísticas e corporativistas que beneficiam grupos e interesses específicos.
O novo-velho escândalo da Petrobras, como dissemos em nossas análises específicas, não era um “cisne negro” no sentido clássico do evento inesperado. Era um “cisne negro” esperado, já que estava posto na mesa eleitoral tanto pelas investigações em curso quanto, sobretudo, pela configuração doentia de nosso sistema político.Apenas não se sabia, como não se sabe ainda, qual a extensão da delação e quanto ela compromete o mundo político e as eleições deste ano. Porém, o pouco que se sabe e o muito que se suspeita são mais do que suficientes para provar e comprovar a necessidade de se trabalhar consistentemente em favor de uma reforma política.
FOCO, TEMAS E PRAZOS
Pelo que se deve lutar em uma reforma política? Primeiramente, que essa reforma tenha foco, temas e prazos. Em meus sonhos, tenho uma divisão temática e um cronograma que começa em 2016 e vai até 2022. Devemos limitar os debates a três ou quatro temas por vez e a três blocos ao longo do tempo.Comecemos com financiamento cidadão de campanhas eleitorais, teto máximo de despesas e proibição de coligações para eleições proporcionais. Tudo para vigorar já nas eleições municipais de 2016.
O passo seguinte, que entraria em vigor em 2018, seria a coincidência das eleições e dos mandatos dos Poderes Executivo e Legislativo. Trataríamos da cláusula de barreira para depurar o sistema partidário de microlegendas e dos partidos de aluguel.
Os mandatos do Executivo poderiam ser de cinco anos sem reeleição. Os mandatos do Legislativo deveriam ser limitados a três legislaturas para Câmara e Senado, bem como para Assembleias estaduais e Câmaras de vereadores.O terceiro passo, para entrar em vigor em 2022, seria a adoção do sistema de voto distrital misto, que dividiria o país em certo número de distritos, e o voto seria dado a candidatos do distrito do eleitor e a partidos. Os votos de partido iriam para os candidatos de uma lista.
NADA DE REFORMA
No entanto, mesmo com a crise da Petrobras, o futuro imediato da reforma política não é promissor. A disputa eleitoral terminará se impondo sobre qualquer outra agenda. A necessidade de acordos também impede mudanças radicais.Entre os candidatos presidenciais, a reforma política não aparece como prioridade. Talvez apenas Marina Silva tenha real vontade de fazer uma reforma, mas, caso seja eleita, suas dificuldades de construir uma maioria em torno do tema podem ser enormes.
O Congresso que emergirá das eleições deste ano já vem maculado por um processo eleitoral complexo, dividido e afetado pelo escândalo da Petrobras. Muitas de suas lideranças já podem chegar pressionadas por investigações. Enfim, não é um cenário fácil. O debate, porém, se torna cada vez mais inadiável e inevitável.
Isso ficou evidente nos protestos de junho de 2013, quando parcela expressiva da população brasileira revelou que não se sente representada pelo atual sistema político. Mesmo que naquela época o Congresso tenha se movimentado, as mudanças foram muito tímidas, mostrando, mais uma vez, que as cobranças pela reforma política esbarram nos interesses de alguns caciques que dominam a cena política. (transcrito de O Tempo)
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