Por Vicente Nunes / Correio Braziliense

A dona de casa Eliana de Araújo Santos, 38 anos, sabe muito bem o quanto a inflação é perversa, sobretudo com os mais pobres. Pouco antes do Natal de 2014, ela decidiu preparar um frango para o almoço, a fim de fugir dos sucessivos reajustes da carne bovina, que havia subido 20% desde janeiro. Saiu de casa com R$ 10, imaginando voltar com o produto e, se possível, o troco para o pão do dia seguinte. “Escolhi o frango mais descongelado, para não pesar tanto, e, ainda assim, deu R$ 13. Não me esqueço do susto que tomei”, conta. Para não deixar os filhos, Gabriel, 4, e André Felipe, 2, sem uma refeição “decente”, recorreu a um mexido. “É de assustar”, diz o marido, Ednaldo, 41.

Eliana não entende por que o governo deixou a inflação ficar tão alta. “Quem vai ao supermercado sabe que o discurso da presidente Dilma Rousseff, de que tudo está sob controle, não é verdade”, afirma. A dona de casa sabe do que fala. Desde que a petista tomou posse, em 2011, a carestia não deu trégua, ficou sistematicamente no teto da meta, de 6,5%.

Nos últimos quatro anos, o custo de vida acumulou alta de 27%. E não ficará muito distante disso no segundo mandato, que começa hoje. “Não dá mais para conviver com aumentos tão fortes”, reclama Eliana. “Dinheiro não traz felicidade, acredito nisso. Mas arroz e feijão têm que ter na mesa. As crianças precisam comer”, desabafa.

ANDANDO DE ÔNIBUS

A dona de casa conta que os R$ 370 de tíquete-alimentação que Ednaldo recebe não são mais suficientes para a compra do principal do mês. Em seis meses, calcula ela, o carrinho com os mesmos produtos encareceu cerca de 30%. Para não afetar tanto o padrão de vida da família, os iogurtes da criançada estão ficando de fora e as marcas mais baratas passaram a ser priorizadas. O marido dela tem ido ao trabalho de ônibus para economizar combustível e evitar que o carro, ano 1996, quebre, demandando despesas extras.

“Paguei R$ 10 mil à vista pelo carro em 2012, dinheiro que poupei com sacrifício. Hoje, não consigo fazer sobrar R$ 1 do orçamento”, reclama Ednaldo.

CAUTELA

Na avaliação de Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), os brasileiros como Eliana e Ednaldo terão que ter muita cautela com os gastos em 2015. Tudo ficará mais caro — no primeiro trimestre, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passará de 7% —, já que o governo decidiu cair na real e corrigir distorções que estavam levando o país para o atoleiro. A maior pancada no orçamento das famílias virá da energia elétrica, com aumento de 8% em janeiro e, na média, de 30% em todo o ano.

“O poder de compra das famílias ficará comprometido”, complementa Evandro Buccini, economista-chefe da Rio Bravo Investimentos. Pelos cálculos dele, é possível que, neste ano, pela primeira vez desde 2003, a renda dos lares tenha queda real.

 

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