Por Contardo Calligaris / Folha de São Paulo

 

Os investimentos públicos, neste começo de 2015, despencaram. É um efeito recessivo do “ajuste fiscal” do governo Dilma. E é também um efeito da operação Lava Jato. Sem as denúncias, as empreiteiras estariam ainda trabalhando nas grandes obras para as quais foram contratadas.

Claro, supostamente, elas ganharam esses contratos pagando propinas e/ou organizando-se em cartel; pode ser justo que elas quebrem ou cheguem perto disso. Resta que dezenas de milhares de trabalhadores da construção civil perderão seu emprego, junto com outros tantos de áreas diferentes, num efeito dominó.

Como a maioria dos brasileiros, esses desempregados se indignam com a corrupção na gestão do país, mas alguns poderiam se perguntar se a Lava Jato valeu a pena. Por exemplo, eles diriam que a corrupção não vai sumir – é provável que ela se sirva da ocasião para inventar caminhos menos atrevidos e mais difíceis de descobrir.

Conclusão: políticos continuarão vendendo contratos públicos e novas empreiteiras os comprarão. Peixes pequenos ficarão com a conta, como quase sempre. Valeu a pena?

MAIS CORRUPÇÃO

Certo, a corrupção vai continuar e até se esconder melhor. Mas não sei se há outro jeito de acuá-la até que saia de nossos costumes. Por isso (em vista de um longo prazo decente), acredito que as perdas produzidas hoje pela operação Lava Jato valham a pena. Provavelmente, muitos concordarão.

No entanto, não espero que os desempregados o façam. No calor da experiência, é difícil separar causas imediatas de responsabilidades originárias e se lembrar de que os desempregados de hoje são vítimas da corrupção endêmica nas encomendas públicas, não da Lava Jato.

Vamos a um caso mais penoso. Na semana passada, os conflitos entre traficantes e policiais das UPPs, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, fizeram uma vítima inocente, Eduardo de Jesus Ferreira, um menino de dez anos – ao que tudo indica, morto pelo tiro de um policial militar.

A mãe de Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, num protesto público, avançou contra uma viatura da polícia, gritando: “Assassinos. Vocês mataram meu filho”.

SUPOSIÇÕES

Suponhamos que as UPPs lutem efetivamente contra o tráfico e não acabem substituindo-o por uma forma qualquer de milícia. Suponhamos que não seja possível restabelecer a presença legítima do Estado na favela sem uma guerra que é fadada a fazer vítimas inocentes: não haveria ocupação e pacificação das favelas sem mortes de moradores, sejam eles adultos, crianças ou idosos.

Suponhamos também que a morte de Eduardo aconteceria mesmo com uma polícia bem treinada e bem equipada. Se conseguirmos fazer essas conjecturas, podemos perguntar: será que valeu a pena?

É difícil comparar uma perda concreta e devastadora (a morte de um menino) à incerteza abstrata de um futuro mais justo. Mesmo se decidirmos que não valeu a pena e que não valeria nem se o morro fosse resgatado de verdade, de qualquer forma podemos colocar uma segunda pergunta: Eduardo foi vítima de quem? Dos policiais e de sua eventual incompetência? Ou dos traficantes, que querem manter e administrar um Estado dentro do Estado? Essas questões morais não são novas.

SEGUNDA GUERRA

Não sei se os bombardeios de cidades tiveram mesmo alguma influência sobre o desfecho da Segunda Guerra Mundial. Na época, todos pensavam que sim.

Meus pais, resistentes antifascistas, festejavam as bombas inglesas e norte-americanas que caíam nas nossas cabeças. Em 1943, como muitos, eles saíram de Milão, fugindo dos fascistas e também dos bombardeios aliados.

Uma vez por semana, um deles voltava para a cidade, de bicicleta, e suponho que devia virar a última esquina com o coração na boca, perguntando-se se enxergaria nosso edifício ainda em pé. Na minha rua, caiu um prédio em cada três. Mas, por sorte, nosso edifício não foi bombardeado.

Se, virando a última esquina, eles tivessem encontrado um monte de escombros – ou pior, se meu irmão tivesse morrido num bombardeio aliado, será que mudariam de ideia e passariam a culpar aos aliados ou conseguiriam continuar acusando o fascismo e sua guerra? Não sei.

 

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