Por Carlos Chagas
Em política raramente há coincidências, mas não deixa de ser estranho que na quinta-feira desta semana conturbada, PMDB e PT tenham divulgado pronunciamentos tão contraditórios e conflitantes. Senão o rompimento com o governo, foi quase isso que o partido de Michel Temer deixou claro, com o vice-presidente assumindo propostas no mínimo iguais às sustentadas pela oposição. No texto intitulado “Uma Ponte para o Futuro”, são negadas as principais diretrizes das políticas econômica e social da presidente Dilma. Na mesma hora, os companheiros divulgavam também por escrito opiniões opostas, entre candentes apelos retóricos do Lula.
Basta cotejar as duas peças. Para o PMDB, “o país encontra-se numa situação de grave risco e tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação”. É sugerida “ampla agenda de transição econômica, com reformas legislativas que precisam ser feitas rapidamente”. São propostas iniciativas capazes de gerar demorados aplausos nos setores neoliberais: o fim das indexações ao salário mínimo de todos os benefícios, inclusive os previdenciários; a proibição de aposentadorias antes dos 60 anos, para as mulheres, e 65 para os homens; a supressão das vinculações constitucionais de gastos mínimos com saúde e educação; a limitação das despesas de custeio inferiores ao crescimento do PIB; uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada por meio da transferência de ativos e de amplas concessões nas áreas de logística e de infraestrutura, além de parcerias com o capital privado nos serviços públicos; acordos regionais de comércio sem os impedimentos do Mercosul; orçamento impositivo; prevalência das convenções coletivas sobre as leis trabalhistas; redução de impostos e restrições aos licenciamentos ambientais.
PT QUER O PARAÍSO
Já o documento do PT prega a expansão do mercado interno, a ampliação dos investimentos estatais, a redução dos juros, a criação de impostos sobre a renda, a riqueza e a propriedade das camadas mais ricas, a recriação da CPMF, o aumento do crédito para incentivar o consumo, a defesa do emprego e a elevação da renda dos trabalhadores.
Não pode haver nada mais contraditório do que as propostas dos dois partidos que sustentam o governo. Ou sustentavam, porque o desembarque do PMDB é flagrante. O irônico na história está em que Joaquim Levy estaria aplaudindo o documento assinado pelo vice Michel Temer, se não estivesse em Marrakesh.
DEMISSÃO DOS MINISTROS
A partir de agora, tudo pode acontecer. O mínimo a esperar seria o pedido de demissão de todos os seis ministros do PMDB. E mais o reconhecimento de haver o partido deflagrado a campanha presidencial de 2018. Temer demonstrou-se candidatíssimo. Do outro lado, o Lula não esconde mais a disposição de concorrer, aproveitando para outra reprimenda em Dilma, ao afirmar que “ganhamos a eleição com um discurso e depois tivemos que mudá-lo e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”.
A confusão é geral, ignorando-se como Madame aceita a humilhação de estar no meio do tiroteio sem saber em quem deve atirar. Seu governo encontra-se em frangalhos enquanto ela assiste o presidente da Câmara destroçar sua base parlamentar. Recebeu o Lula para jantar, na noite dessa quinta-feira, pouco depois de terem chegado às suas mãos as propostas do PMDB.
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