Por André Singer / Folha de S.Paulo

Por mais votos que tenhamos feito ontem em favor de esquecer 2015, sabemos que 2016 começa, e provavelmente vai terminar, sob o signo da crise. Em passagem dos “Cadernos do Cárcere”, Antonio Gramsci dizia que uma crise “às vezes, prolonga-se por dezenas de anos”. Melhor, então, armar-se de paciência para tentar entender o que se passou e o que pode ser feito de construtivo.

Parece-me que a raiz desta crise está na confluência de duas esferas de ação, para lembrar outro clássico, Max Weber, distintas e separadas. De um lado, está o problema econômico. Embora os especialistas divirjam de alto a baixo sobre o diagnóstico e a cura da recessão, estão, de modo geral, concordes em que ela responde a um campo de fatores e decisões autônomo.

De outra parte há a ofensiva empreendida pela Operação Lava Jato contra focos históricos de corrupção, que envolvem algumas das maiores empresas, públicas e privadas, do país. Embora sejam óbvios os efeitos econômicos indiretos, ao paralisar atores de grande porte, a iniciativa mira efeitos na dimensão criminal, não produtiva. Por isso, precisa ser vista em sua especificidade.

Por mais agudas que sejam as consequências específicas da recessão e da desmontagem de redes corruptas, a extensão temporal das mesmas ficaria contida se as fontes de instabilidade não tivessem paralisado um terceiro âmbito: a política. Como é no plano das instituições que se consegue agir para enfrentar os problemas, a incapacidade demonstrada por lideranças e partidos em 2015 de fazer frente aos desafios postos promete estender os efeitos sísmicos de dupla origem.

Uma Presidência da República, eixo do regime brasileiro, profundamente enfraquecida; um vice-presidente disposto a ser desleal por razões menores; um partido de centro que coloca na Presidência da Câmara parlamentar suspeito e inescrupuloso; um partido de orientação liberal que adere à proposta de impeachment sem base consistente; um partido popular que não consegue explicar graves acusações de corrupção nem determinar ações com vistas a estancar a recessão que inferniza a vida do povo. Configura-se perigoso vazio de respostas.

Aqui, desde a planície, as pessoas comuns seguem em movimento. A iniciativa das centrais sindicais junto a empresários mostra a vitalidade das classes. A mobilização de igrejas, associações múltiplas e debates em foros universitários, também. Quem sabe a extensão da crise ocasione renascimento da sociedade civil.

Precisaremos esperar, contudo, que a política se reconstrua para, de fato, sair da crise. Quem sabe, assim como aconteceu no final da ditadura, a seiva social consiga fertilizar e renovar as instituições, encurtando a duração do infortúnio.

 

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