Por Bruno Góes, Daniel Biasetto e Juliana Castro / O Globo

 

Em seus depoimentos de delação premiada, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado fez uma comparação inusitada: a Petrobras é “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil”. Em seguida, colocou na dança outros seis órgãos, apenas para citar que há organismos estatais com práticas menos ortodoxas do que a estatal de petróleo, alvo da Operação Lava-Jato. A investigação na “madame mais honesta” já fez brotar, no Supremo Tribunal Federal (STF), 59 inquéritos contra 134 investigados. No Supremo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), há ainda 11 denúncias contra 38 pessoas — números que poderão alcançar um patamar ainda mais elevado, caso a apuração se alastre por outras áreas do governo.

Na primeira instância, a apuração da força-tarefa da Lava-Jato foi além dos campos de petróleo e refinarias. Chegou a outros palcos, como usinas nucleares, caso da Eletronuclear e a construção de Angra 3, e a ministérios, como o do Planejamento e da Saúde.

FORA DE CURITIBA – A Lava Jato cresceu tanto que saiu de Curitiba, onde as ações são julgadas pelo juiz Sérgio Moro, e passou para outros estados, como o Rio. São 41 acusações criminais instauradas pelo país no primeiro grau da Justiça contra 207 pessoas, desde que a Lava-Jato foi deflagrada em março de 2014. Um ano depois da primeira fase da operação, completado em março de 2015, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo a abertura de 28 inquéritos contra 50 pessoas com e sem foro privilegiado.

Desde então, pelo levantamento obtido pelo Globo junto à Procuradoria-Geral da República, o número de alvos de inquéritos no STF já aumentou 168%. Passou de 50 a 134. As delações do ex-senador Delcídio Amaral, do ex-presidente da Transpetro e a derrubada de sigilo dos inquéritos podem fazer o número crescer ainda mais. Machado, por exemplo, citou 25 políticos em seus depoimentos aos procuradores, incluindo o presidente interino Michel Temer.

SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – “Esses números refletem uma situação que, espero, seja excepcional” — disse o professor Joaquim Falcão, da FGV Direito Rio. “O Supremo não consegue dar conta de várias atividades, e não somente dessa (julgar pessoas com foro privilegiado). Tem que haver uma descentralização para instâncias inferiores”. O ex-presidente da Transpetro fala sem pudores do cabaré do Brasil. Diz ele que, desde 1946, havia um padrão para a roubalheira, o chamado “custo político”, em que empresários pagam um percentual de propina a agentes públicos. De acordo com Machado, esse percentual é de 3% no nível federal, de 5% a 10% no estadual e de 10% a 30% no municipal.

CORRUPÇÃO DISSEMINADA – Na CPI da Petrobras, em dezembro de 2014, o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa também escancarou as relações pouco republicanas entre políticos e empresários:

— O que acontece na Petrobras acontece no Brasil inteiro, em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas.

Outros elementos mostram que o descalabro era generalizado. Uma lista do doleiro Alberto Youssef, com 750 obras que somam quase R$ 12 bilhões, nas mais diversas áreas, chancela as afirmações de Machado e de Paulo Roberto sobre esses esquemas ilegais. Ao ter a planilha do doleiro em mãos, o juiz Sérgio Moro a classificou como perturbadora. Para ele, a lista sugere que os casos “vão muito além” da estatal.

OUTROS ESQUEMAS – No cabaré brasileiro, Machado disse que há damas menos honestas do que a Petrobras, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), a Companhia Docas e os bancos públicos, como o Banco do Nordeste. Todos são órgãos velhos conhecidos do noticiário policial.

O Dnit, por exemplo, nasceu de um escândalo. A autarquia foi criada com a extinção do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). O órgão implodiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, após a descoberta da “máfia dos precatórios”, em 1999. A mudança de nome não fez cessar as denúncias. Desde então, é escândalo atrás de escândalo.

AFASTADO POR DILMA – Um dos que mais ganhou os holofotes aconteceu em 2011, quando o então presidente do Dnit, Luiz Antonio Pagot, foi um dos quatro afastados pela então presidente Dilma Rousseff após a denúncia da revista “Veja” sobre um esquema de corrupção que incluía superfaturamento de obras e recebimento de propina por alguns funcionários do Ministério dos Transportes e de órgãos vinculados à pasta. A denúncia culminou com a demissão do então ministro Alfredo Nascimento, do PR.

Mas não faltam casos mais recentes. No início do mês, os Ministérios Públicos Federal e estadual do Ceará estimaram que as fraudes na concessão de empréstimos pelo Banco do Nordeste, uma das damas citadas por Machado, chegam R$ 683 milhões, em operações de crédito que totalizam R$ 1,5 trilhão. As investigações indicam que pelo menos 11 empresas estão envolvidas no esquema, algumas têm ligação com as investigações da Lava-Jato. Sinal de que as cortinas desse cabaré vão demorar a se fechar.

 PETROBRAS – A “madame mais honesta”, segundo Sérgio Machado, é o centro das investigações da Lava-Jato. Descobriu-se, com a ajuda de delatores, um cartel de empreiteiras que firmou contratos com a Petrobras e, em troca, pagou propina para agentes públicos e partidos políticos.

 ELETROBRAS – A estatal do setor elétrico acumula denúncias na Lava-Jato. Nas obras de Angra 3, empreiteiros admitiram repasses de propina ao ex-presidente da Eletronuclear. Outras grandes obras do setor elétrico, como Belo Monte e Jirau, são investigadas pelo pagamento de propina.

 CAIXA ECONÔMICA – O ex-deputado André Vargas e mais duas pessoas já foram condenadas por recebimento de propina. Eles desviaram verbas de contratos firmados com a Caixa e a Saúde. Em outra frente, o ex-vice-presidente do banco Fábio Cleto já teve delação homologada e deve implicar Eduardo Cunha.

BNDES – Os empréstimos concedidos pelo BNDES a empresas brasileiras para bancar obras no exterior são alvo de investigação na Operação Lava-Jato. A suspeita da força-tarefa é que parte do valor emprestado foi convertido em doação oficial ao Partido dos Trabalhadores pelas empreiteiras.

 PLANEJAMENTO – A Lava-Jato investiga o desvio de até R$ 52 milhões em contratos do Ministério do Planejamento. Empresas do Grupo Consist Software, que assinaram, sem licitação, contratos com a pasta, repassaram o valor a operadores do esquema, segundo a investigação da força-tarefa.

BANCO DO NORDESTE – O Banco do Nordeste é alvo constante de escândalos de corrupção, envolvendo em alguns casos cifras bilionárias. No início do mês, ao apresentar denúncia, o Ministério Público do Ceará estimou que as fraudes na concessão de empréstimos pela instituição chegam R$ 683 milhões.

FUNASA – São muitas as denúncias envolvendo, há anos, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em vários estados. Em 2014, por exemplo, o Ministério da Saúde afastou oito servidores por suspeita de participação em um esquema de fraude e superfaturamento em contratos.

DNIT – O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) nasceu de um escândalo. Após a descoberta da “máfia dos precatórios”, no governo FH, o órgão foi criado para substituir o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, mas também acumulou denúncias.

VALEC – A Valec, estatal das ferrovias, há anos está no centro de casos de corrupção. Em apuração ligada à Lava-Jato, suspeita-se de propina na obra da ferrovia Norte-Sul. A Camargo Corrêa admitiu ter pagado.

 DNOCS – O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) também já foi alvo de denúncias. Em março de 2013, a Polícia Federal descobriu uma quadrilha especializada em desviar recursos transferidos pela União para municípios por meio de convênios R$ 800 mil ao ex-presidente da Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha.

 

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