Folha de S.Paulo – EDITORIAL
Reconhecido, até por seus adversários, como político habilidoso e de trato gentil, o presidente Michel Temer (PMDB) deu mostras de incorrer, por vezes, nos equívocos da autossuficiência e do desdém.
Há menos de um mês, celebrando com uma plateia de empresários a sanção de um projeto que amplia o prazo para o pagamento de dívidas tributárias, referiu-se jocosamente aos que, fora do palácio, protestavam contra a flexibilização de direitos trabalhistas.
Eles “aplaudem este grande momento do governo federal”, sorriu Temer, sugerindo aos empresários que contratassem os manifestantes ao final do evento. “Se não têm emprego, quem sabe arrumam”, arrematou.
Mais recentemente, diante de outro público seleto, criticou as ocupações de escolas e universidades contra a reforma do ensino médio e a PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita a expansão dos gastos públicos.
Ignora-se, considerou o presidente, o conteúdo da PEC 241; “vi uma entrevista”, prosseguiu, em que um aluno traduzia a sigla como “Proposta de Ensino Comercial”. Diga-se de passagem que a resposta do estudante poderá ter sido, ela própria, irônica. Temer, de todo modo, dera seu recado: a ignorância alimentava os protestos.
Importa pouco que logo em seguida, talvez percebendo o tom provocador que adotava, o presidente tenha estendido também aos adeptos da PEC a acusação de desconhecer o seu teor. A mordida, por assim dizer, foi mais fundo do que o sopro a sucedê-la.
Há bons motivos para discordar da mobilização estudantil. No refluxo das manifestações de rua, concentram-se em setores específicos e propensos ao ativismo os bolsões de resistência ao governo Temer, fundados em palavras de ordem de indisfarçável simplismo.
A PEC 241 não impõe cortes aos orçamentos da educação e da saúde. Se bem-sucedida, propiciará queda significativa nas altíssimas taxas de juros, precisamente o foco das condenações vindas de quem associa a administração do PMDB aos interesses do capital financeiro.
Por sua vez, ainda que inabilmente apresentada por medida provisória, a reforma do ensino médio avança em inúmeros aspectos, como o aumento da carga horária e da liberdade dos alunos na estruturação de sua grade curricular.
Se a discussão é eminentemente técnica, cabe intensificar os esforços de debate e esclarecimento. As ironias de Michel Temer vão no sentido contrário, beirando a provocação. Age como se lhe bastasse a satisfação do Congresso e do mercado, prescindindo do apoio do conjunto da população.
O cargo de presidente exige unir, e não dividir a sociedade —até mesmo Donald Trump, de quem Temer não tem a aprender nada em termos de diplomacia, sabe disso.
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