Por Evaldo D´Assumpção*
Já se acendem, nas lojas, as luzes natalinas. Num país em crise financeira, mas também se afogando em crises morais, éticas, políticas e tantas outras, o comércio lanças suas taboas de salvação, afixando nas vitrines os ridículos cartazes de “off”, “sale” e outas idiotices, como se estivéssemos num país de língua inglesa. Por acaso me vem a memória um dito absurdo de tempos recentes: “Amar é dar presente!” Será? Tudo numa busca insana de melhorar as vendas, e sair do caos em que o barbudo vestido de vermelho (não me refiro ao Papai Noel…) e sua malfadada sucessora, ambos cavalgando uma rubra, mas desbotada estrela cadente, mergulharam este ingênuo e estropiado Brasis. Mas não é sobre este tema, quase obsceno, que pretendo refletir. Meu foco está voltado para o gesto, hoje compulsório, de dar presentes.
Não é raro escutarmos comentários amargos de quem se vê na obrigação de presentear determinada pessoa, especialmente no momento hodierno em que suas finanças estão mergulhadas no vermelho. E tais comentários se tornam mais ácidos, quando o futuro presenteado é alguém pelo qual o queixoso não nutre maior simpatia, sendo o presentear um gesto compulsório, diplomático, bajulatório ou fruto do clássico “noblesse oblige”.
Para complicar mais ainda, mais penoso se torna quando se tem de escolher alguma coisa que se enquadre bem na equação: beleza + utilidade + ser encontrável + preço acessível. Por vezes, mais outros elementos são incluídos nesta fórmula, tornando-a quase sempre de difícil ou impossível resolução.
Além dos aniversários e casamentos, surgem as espertas novidades recém criadas, tais como chá de bebê, chá de noivado, chá disso e chá daquilo, todas elas criações para que o presenteado economize nas despesas que deverá fazer, em decorrência da efeméride adredemente celebrada. E no final do ano, acontece o Natal, para a alegria de banqueiros e comerciantes, especialmente em tempos tão magros.
Nesse contexto, retornei à minha infância, no interior de Minas. Filho único de um médico bem sucedido, nos meus aniversários, assim como no Natal, recebia dos meus pais, um único presente. Nada de multiplicidade, como costuma ser hoje. E lembro-me bem de como eram, inclusive tendo alguns guardado até hoje: livros de história, um cachorro de borracha inflável – meu pai não admitia animais em casas –, um trenzinho de corda, almanaques de fim de ano, das revistas O Tico-tico e O Guri. Na adolescência, novos livros, discos LPs, caneta tinteiro. Na juventude, peças de roupa, carteira de couro para dinheiro, tudo para uso diário. Creio ser bem perceptível a singeleza e a praticidade dos presentes. O curioso é que sempre fiquei muito feliz com o que ganhava, nunca tendo feito exigências prévias, muito menos manifestações de insatisfação ou reclamações posteriores.
Hoje, as crianças e jovens já fazem, previamente, sua lista detalhada de presentes, não se contentando com um só, tampouco admitindo substituição por coisas mais simples. Comumente são aparelhos eletrônicos em suas versões mais atualizadas e sofisticadas. E não admitem recusas, pouco se importando se os pais estão ou não em condições desses gastos.
Mas, o pior é que não são somente os filhos, os requintados exigentes. Outros familiares, muitos amigos, também sempre esperam coisas mirabolantes, e se isso não acontece, torcem o nariz, fazem críticas, e até ridicularizam o que ganham. Os presentes se tornaram obrigação e tortura, não mais um gesto simbólico de afeição e amizade. Na verdade, o termômetro hoje usado para aferir esses sentimentos é a grife do presente e o quanto ele custou.
O capitalismo-consumista invadiu as relações interpessoais, tornando-as frívolas e interesseiras. Ai do parente ou amigo que nas datas “presenteáveis” trouxer apenas um abraço, um cartão com sincera mensagem de felicidades, ou uma lembrancinha simbólica!
Sentimentos foram materializados, monetarizados, medidos e pesados. Os humanos se robotizam, o coração de carne se torna pedra dura e áspera, e a verdadeira felicidade se extingue, perdida na memória dos mais idosos. O amor se tornou em dor e estupor.
Uma observação final, especificamente sobre o Natal que se aproxima: normalmente o presenteado é o aniversariante, e no caso, comemora-se o nascimento do menino Jesus. No entanto, os presentes são para os outros, quase sempre para quem deles não precisa. Quem sabe neste Natal possamos fazer a opção de dar um presente de qualidade e real utilidade, não aos parentes e amigos, mas àqueles que são a imagem viva do verdadeiro aniversariante? Refiro-me aos pobres e necessitados, aqueles a quem o próprio Jesus sempre acolheu e defendeu. Fica a sugestão, com bastante antecedência. E dê para os parentes e amigos, um cartão dizendo o que foi feito do presente que a eles seriam destinados. Com certeza será um Natal bem diferente e bem mais autêntico!
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