Tá em  O Globo

Luiz Antônio Villas-Bôas Corrêa contou uma vez que havia nascido em uma família tipicamente classe média, na Tijuca. E explicou. Na casa dele, liam-se muitos livros. O avô, Luiz de Castro Villas-Bôas, não tinha uma grande biblioteca em casa, mas comprava livros. Tinha José de Alencar, Machado de Assis, Paulo Setúbal, Humberto de Campos. E liam-se jornais também. No tempo em que matutinos e vespertinos eram separados. Depois, chegou o rádio, na década de 30. Todos em sua casa liam, ouviam rádio, mas praticamente não falavam de política, conforme ele contou em depoimento ao CPDoc da Fundação Getúlio Vargas.

As conversas de Villas-Bôas nessa seara começaram exatamente na Faculdade Nacional de Direito, onde entrou em 1943. Na época, viveu o clima estudantil, presidiu o centro acadêmico e redigiu o manifesto da instituição saudando a queda de Getúlio Vargas e do Estado Novo juntamente com Ciro Maciel. Ali, já estava formado o perfil do analista político mais antigo em atividade no Brasil, que se autodefinia como o “último sobrevivente da geração que cunhou o modelo de reportagem política que ainda hoje se pratica”.

VIROU JORNALISTA – Já formado pela Faculdade Nacional de Direito, onde se graduou em 1947, ele era funcionário público do antigo Serviço de Alimentação da Previdência Social quando decidiu se iniciar no jornalismo. O motivo: precisava de mais dinheiro para pagar as despesas do parto do segundo filho, que nascera de cesariana. Estreou então em 1948 no jornal “A notícia”, cuja redação ficava na Avenida Rio Branco, no Centro. Escrevia pequenas notas sobre diferentes assuntos, inclusive policiais. Sua primeira grande reportagem foi uma denúncia sobre propina envolvendo um tabelião — irmão do então vice-presidente da República, Nereu Ramos — e o ministro da Viação e Obras Públicas da época, Clóvis Pestana.

“Durante 12 anos, meu local de trabalho foi a Câmara, no Palácio Tiradentes. Como não havia gabinetes privativos, à exceção da Presidência e de algumas lideranças, o ambiente facilitava o convívio. Os jornalistas passavam o dia acompanhando o processo político e os debates”, lembrou Villas-Bôas, em entrevista publicada no site da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em dezembro de 2008.

UMA REFERÊNCIA— “Ao lado de Carlos Castelo Branco, o Castelinho, Villas-Bôas foi um dos maiores nomes do jornalismo político durante toda a metade do século XX. Nesse período, ele viveu momentos intensos, passando pelos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Houve o golpe de 1964, a ditadura militar, as lutas pela redemocratização, a anistia, as Diretas Já. Ou seja, ele foi um analista privilegiado desses momentos intensos da história do Brasil” — disse o jornalista Ancelmo Gois, colunista do GLOBO, que trabalhou com Villas-Bôas no “Jornal do Brasil”.

O escritor e jornalista Zuenir Ventura também foi colega de Villas-Bôas no “JB”, além de grande amigo do colunista. “O Villas foi um dos grandes representantes daquela geração de cronistas políticos que tiveram a maior importância no Brasil durante períodos difíceis como a ditadura. Ele era também um grande repórter, além de analista político. Lembro-me quando houve o atentado no Riocentro, a bomba lançada pelos terroristas de direita. Foi ele quem deu esse furo. Na época, ele foi o primeiro a dizer que eram terroristas de direita, ou seja, um capitão e um sargento do Exército. Ele teve a coragem de dizer isso. Villas era um repórter de grande perspicácia jornalística e um grande analista. Ele e o Castelinho foram dois dos melhores representantes do jornalismo político do Brasil”.

Villas-Bôas estava internado desde sexta-feira passada no Hospital São Lucas, em Copacabana, com problemas respiratórios. Ele morreu nesta quinta-feira, aos 93 anos. Viúvo, deixa três filhos e três netos.

 

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