É eloquente sobre 2016: o ano está terminando com a notícia de que Vladimir Putin e Donald Trump querem reforçar os respectivos arsenais nucleares. Reaparece pois, ao menos retoricamente, um fantasma que parecia sepultado com o fim da Guerra Fria e o consequente desaparecimento da União Soviética.
Mas não é justo permitir que em pleno dia de Natal paire uma nuvenzinha negra sobre a coluna. Por isso, ouso escrever que, por incrível que pareça, 2016 deixa, sim, algo de positivo: chama-se Lava Jato que, embora não tenha começado este ano, consolidou-se nele. O sucesso da operação é confirmado pelo acordo que a Odebrecht fechou com autoridades norte-americanas (no valor de US$ 3,5 bilhões). “É o maior até agora alcançado no FCPA [sigla em inglês para Ato sobre Práticas Corruptas no Exterior]”, contabiliza a revista “The Economist”.
É mais do que o dobro do valor pago pela Siemens alemã, o recorde anterior (US$ 1,6 bilhão, em 2008). Se tamanho, nesse caso, já seria documento suficiente para valorizar o trabalho dos investigadores brasileiros (e norte-americanos), ainda há o fato de que a Lava Jato “é a melhor investigação sobre corrupção política e o modo de fazer negócios públicos já realizadas no país”, como escreveu para a Folha esse extraordinário repórter que é Mario Cesar Carvalho.
O que surpreende é que essa “maior” e “melhor” operação sofra ataques constantes de diferentes atores. Criticar é um esporte extremamente saudável, mas fazê-lo continuamente, sem ressalvar o aspecto profilático da operação, torna-se suspeito. Que a Lava Jato seja criticada pelos acusados e por seus advogados, dá para entender. É uma tentativa de impetrar uma espécie de habeas corpus preventivo.
Que seja atacada pelos hidrófobos do lulo-petismo, também dá para entender. É difícil encarar a realidade de que o partido que julgava ter o monopólio da virtude lambuzou-se com a corrupção, para usar verbo já empregado por um de seus expoentes, o ex-ministro Jaques Wagner. Que políticos que estão na linha de mira da operação também a ataquem, é compreensível, embora não justificável, como é óbvio.
O que é incompreensível, pelo menos para mim, é que se juntem aos ataques enviesados jornalistas e acadêmicos que pareciam independentes e haviam sido críticos impenitentes da corrupção das empreiteiras. É lógico que se deve criticar eventuais abusos de poder, mas, quando uma empresa inteira (a Odebrecht) confessa de público ter adotado “práticas impróprias” (roubalheira, em português comum e corrente), não dá para falar de abuso de poder, mas de uma investigação bem feita.
Só uma investigação bem feita obriga executivos a devolver dinheiro aos cofres públicos. Ou alguém aí conhece um cidadão que devolva dinheiro adquirido honestamente?
Nunca antes neste país foram presos tantos habitantes do andar de cima, parte deles réus confessos. Não sei, ninguém sabe, se o Brasil será outro depois da Lava Jato. Mas pelo menos neste Natal, é um país algo menos indecente. Feliz Natal a todos, pois.
Fonte: Clóvis Rossi – Folha de S.Paulo
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