Ricardo Boechat – IstoÉ
Quais serão as consequências da morte da ex-primeira dama Marisa Letícia na cena brasileira? Como a perda da companheira de 43 anos impactará o septuagenário Luís Inácio? Muitos já passaram pelo amargo insuportável dessa experiência, mas… suportaram. A maioria segue em frente e alguns, com mais frequência homens, mesmo na terceira idade, reconstroem a vida afetiva. O tempo é forte anestésico e o abatimento vai sendo quase que compulsoriamente minado por outros sentimentos e vínculos que persistem, redimensionando relações e perspectivas. Essa não é a regra. Ainda assim, é o que predomina.
No caso de Lula, entretanto, é preciso considerar que ao peso do momento se somam dissabores capazes não apenas de sepultar sonhos que persegue desde a juventude metalúrgica, mas de leva-lo à prisão e de destruir sua biografia. A provação do viúvo ainda inclui temores mais que justificáveis quanto ao destino dos filhos, ligadíssimos à mãe, dois dos quais também ameaçados por investigações com horizonte possível de prisão e perdas patrimoniais. A carga não é pequena.
Amigos do ex-presidente se perguntam como e se ele resistirá, ou, mais precisamente, se terá ânimo para abraçar a monumental empreitada de concorrer ao Planalto em 2018 – se a Justiça Eleitoral permitir, claro. A intenção anunciada do Partido dos Trabalhadores, antes do AVC que vitimou Marisa, era lançar a candidatura em abril. As pesquisas eleitorais, mostrando-o no topo das intenções de voto, deram dose adicional de combustível ao projeto. Compreensivelmente, ninguém ousará tocar no assunto sem um sinal do líder. E que sinal será esse é o mistério do momento. Três parecem ser as hipóteses possíveis. Na primeira, estatisticamente menos provável, Lula vergará sob a carga que o destino lhe está impondo e jogará a toalha, desistindo de disputas, voltando-se para a família e para efemérides eventuais em seu Instituto. Será o outono, serão os netos, a autobiografia… Na segunda, cumprirá o luto, sacudirá a poeira e tentará dar a volta por cima, retomando a pregação contra as elites e a favor dos pobres, mantendo viva as esperanças da militância e arquitetando a vingança eleitoral contra os adversários de sempre e, com gosto especial, contra os muitos que o traíram e abandonaram, após incontáveis ceias do poder. A terceira hipótese quase repete a anterior, mas lança mão de um elemento emocional novo, o fim de uma parceria que ao longo de 43 anos compartilhou pobreza, militância, perseguição política, derrotas, ascensão, glória e (o atual) ocaso.
Nos últimos dias, Lula teria instruído os que o cercam a não fazer comentários políticos relacionados ao seu luto – do que foi exemplo a nota, sucinta e austera, com que divulgou o diagnóstico fatal da mulher. Mas esse mesmo Lula sabe, como poucos, o quanto de simpatia popular despertam os que se apresentam como vítimas de injustiças. Sugerir que a “perseguição desumana” da Lava Jato à mulher, mãe e esposa Marisa Letícia a levou à morte se encaixa como luva nesse figurino.
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