Em contestação entregue na 5ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo (SP), a Advocacia-Geral da União classifica como “retaliação” a ação movida por Lula contra o procurador Deltan Dellagnol. Sob a alegação de que o coordenador da força-tarefa da Lava Jato ofendeu a sua honra numa entrevista à imprensa, o ex-presidente petista reivindica indenização de R$ 1 milhão por ”danos morais”. A AGU sustenta que a independência e o funcionamento do Ministério Público estarão comprometidos se os autores de ações penais ficarem sujeitos a retaliações praticadas por pessoas acusadas de atos ilícitos, caso de Lula.
Lula foi à Justiça contra Deltan Dellagnol em dezembro de 2016. Seus advogados acusaram o procurador da República de abuso de autoridade por ter supostamente atacado a “honra, imagem e reputação” do ex-presidente. O “abuso” teria sido cometido numa entrevista realizada três meses antes, em setembro. Nela, Deltan apresentara aos jornalistas uma denúncia criminal contra Lula. Exibira em slides de PowerPoint ilustração em que Lula figurava no centro do esquema de corrupção que assaltou a Petrobras. O procurador referiu-se a ele como “comandante máximo.”
Na sua petição, a Advocacia-Geral argumenta que a entrevista do coordenador da Lava Jato não foi senão uma decorrência do princípio constitucional da publicidade. Os advogados do Estado realçam também que a Lei de Acesso à Informação e a Portaria número 918/2013 da Procuradoria-Geral da República impõem ao Ministério Público Federal o “dever de divulgar sua atuação em casos que tenham grande alcance, efeito paradigmático ou caráter pedagógico.”
Pode parecer paradoxal que a AGU defenda o procurador, pois o órgão está subordinado ao delatado Michel Temer, que está rodeado de ministros e aliados atolados no lamaçal da Lava Jato. Mas a AGU representa Deltan Dellagnol no processo a pedido do próprio procurador. Atua no caso como órgão do Estado. Esse tipo de ação está previsto no artigo 22 da Lei nº 9.028/95. Estabelece que a Advocacia-Geral poderá representar em juízo agentes da administração pública federal nos casos em que eles respondem a processos em decorrência de atos praticados no exercício de suas funções.
Os advogados de Lula enxergaram na entrevista de Deltan “termos e adjetivações manifestamente ofensivas” ao trão-petista. Para a AGU, não houve intenção de offender. O procurador apenas serviu-se de “analogias de caráter informativo” para facilitar a compreensão da denúncia contra Lula.
“A finalidade, portanto, era proporcionar explicações mais didáticas sobre os fatos investigados”, anota a peça redigida em defesa de Deltan Dellagnol. “Desse modo, os objetivos estritos da entrevista foram informar a sociedade, dar transparência à atividade do Ministério Público e prestar contas à população em caso de grande alcance nacional e internacional.”
Os advogados da União levantam outros quatro ponrtos na contestação protocolada em São Bernardo do Campo:
1) agentes públicos como Deltan Dellagnol não podem responder diretamente por eventuais danos causados a terceiros. O artigo 37 da Constituição Federal prevê que a administração pública deve responder por esse tipo de dano. Comprovando-se a culpa e o dolo do agente público, o Estado cobrará dele posteriormente o ressarcimento de eventuais danos.
2) o novo Código de Processo Civil anota que os membros do Ministério Público respondem apenas regressivamente, e não diretamente, por atos praticados no exercício das suas funções. A AGU argumenta que se trata de uma garantia para assegurar a independência de procuradores e promotores.
3) A comarca de São Bernardo do Campo não tem legitimidade para julgar o caso. A ação deve ser apreciada pela Justiça Federal, já que envolve a atuação do procurador na Lava Jato numa investigação de crimes que lesaram os cofres da União.
4) A indenização de R$ 1 milhão pleiteada por Lula é exorbitante. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça revela que nem mesmo indenizações por morte chegam a esse valor.
De resto, a AGU pede que Lula seja condenado a pagar honorários advocatícios fixados em até 20% do valor da causa caso o pedido de indenização seja considerado improcedente.
Fonte: Josias de Souza
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