Por Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo
Circula por aí a ideia de convocar uma Constituinte, excluídos os políticos da geração zumbi, os mortos-vivos da República falecida entre 2013 e 2016, que fede insepulta. Quase ninguém nos centros de poder compra a Constituinte, por ora. Mas, no início de 2015, quando já se falava de impeachment, quase toda a elite mais atuante refugava a deposição de Dilma Rousseff.
Há ânsia desesperada de outro país, de mudança ordenada, pois já ocorrem transformações de fundo; instituições e política se dissolvem ou se estragam em lutas violentas. O Brasil está em mudança constitucional, no sentido genérico do termo. “Transformação” é um nome suave para essa guerra civil por outros meios que se desenrola desde 2015 e que, a depender de vencedores e estragos, vai definir se haverá governo viável em 2019.
Há conflitos fundamentais. Há luta, sem pacto, para revirar o mundo de trabalho e seguridade social, núcleo das relações socioeconômicas. Outras reformas, incontroversas ou despercebidas, passam desde 2016. Pode vir mais: terras, terra indígena, lei ambiental etc.
Pode vir reforma política que desmontaria um sistema eleitoral de 70 anos. O STF ou seus monocratas extrapolaram suas funções. Toureiam ou tutelam Executivo e Legislativo, fazem arranjos extralegais para evitar transbordamentos mais graves nos Poderes e acomodam exageros dos tenentes da nova burocracia judiciária-policial (Lava Jato).
Os tenentes dizimam a elite política carcomida da Nova República Velha, fase mais recente do histórico conluio que combinava a engorda ou a criação de oligarquias político-econômicas com o uso de recursos públicos para reorganizar e valorizar a grande empresa, via roubo ou mero subsídio.
O governo vive uma espécie de moratória, a moratória do superavit. Este é o significado do “teto” de gastos: um pedido oficial de paciência aos credores, garantia até que se consiga estabilizar a dívida pública. Se falhar, se o “teto” cair ou furar, virá crise financeira até que se assine outra carta de intenções, promessa de novo arrocho.
Como se nota, são mudanças no modo de contratar trabalho, em sindicatos, na redistribuição de renda. São disputas decisivas a respeito das condições de solvência do setor público. No modo de escolher políticos. São alterações de fato nos poderes de Justiça, procuradores e polícia.
Curiosamente, a reforma trabalhista passa quase como avalanche. O combate maior da esquerda é contra a reforma previdenciária e o “teto”, justamente aquilo que, do ponto de vista fiscal, é o antídoto gêmeo contra uma crise financeira a partir de 2019, seja o governo de esquerda ou de direita. “Teto” e reforma, caso não se recorde, eram projetos também do governo petista moribundo de 2015.
Na reforma política e no ataque aos tenentes judiciais, a esquerda oficial podre (PT e satélites) é aliada dos carcomidos de direita em uma manobra para conservar a podridão na política, nas empresas e também o “desenvolvimentismo”, em degradação terminal e tóxica. É um pacto que pode resultar no pior dos mundos: um outsider no Planalto cercado de zumbis da política e vampiros do capital.
Não há por ora quem ou o que dê sentido a essa reconstituição caótica do país.
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