Via Estadão

Quando o deputado Aureo Lidio Moreira Ribeiro (SD-RJ) foi ao microfone do plenário na noite de quarta-feira passada e disse “sim” ao relatório do colega Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que pedia a rejeição da denúncia contra Michel Temer, a matemática regimental já anunciava o veredicto: com 158 votos e 14 ausências, a acusação formal por corrupção passiva contra o presidente não teria prosseguimento no Supremo Tribunal Federal.

Há cerca de três semanas, Luiz Inácio Lula da Silva se tornou o primeiro ex-presidente da República condenado na história do País por um crime comum (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). Temer, por sua vez, foi o primeiro ocupante do Palácio do Planalto denunciado por um crime comum no exercício do mandato.

Os dois casos de grande repercussão, porém, não se refletiram nas ruas – um cenário distinto do processo que começou com os protestos de 2013 e culminou no impeachment de Dilma Rousseff. A condenação do petista mobilizou poucos apoiadores e quase nenhuma comemoração em atos pelo País. A vitória do peemedebista na Câmara resultou em tímidas demonstrações, onde era possível calcular não muito mais do que uma centena de manifestantes.

Na avaliação do jornalista e professor da USP Eugênio Bucci o que havia de palpável era um “gosto de tanto faz no ar…” Mas não faltam especulações e interpretações sobre a ausência de pessoas nas ruas. A descrença nas instituições, a falta de um líder político empolgante ou confiável, o medo de uma piora na economia e até uma estratégia eleitoral torturante estão entre os fatores que pesquisadores e lideranças sociais apontaram como causadores desse vazio.

Ao elaborar suas teses, os estudiosos tratam de desencantamento, cansaço e um certo “deixa para depois”, mais especificamente as eleições de 2018. Para a diretora executiva do Ibope, Márcia Cavallari, existe um descompasso entre o que as pessoas querem e o que elas demonstram. “Pesquisas mostram que a grande maioria queria que fosse aberto o processo da denúncia, mas elas estão bem desiludidas com tudo que aconteceu e há muita insegurança, principalmente, com a economia”.

O cientista político e professor do Mackenzie Rogério Battistini subscreve o cansaço e a desilusão apontados pela diretora do Ibope. “O cansaço vem da perda de legitimidade das lideranças em convocar atos, vem da ideia de que todos os políticos estão envolvidos em algo espúrio. Os movimentos de esquerda perderam sua legitimidade porque o lulopetismo caiu em desgraça. E os movimentos de direita também caíram em desgraça porque, de alguma forma, foram avalizadores do governo Temer”, afirmou. A questão sistêmica e o “ninguém presta” são apontados pelo também cientista político Jean Tible, da USP. “O sistema está tão descolado da população que lhe tirou o ímpeto de manifestar”.

O cálculo econômico e eleitoral também estaria impactando na disposição do brasileiro em se manifestar. David Fleischer, cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), credita o medo de uma piora no bolso como fator preponderante. “A economia ainda vai muito mal. Mas não piorou e não está afetando diretamente. O povo está em compasso de espera. O cidadão comum está muito mais preocupado com a recessão econômica, que afeta o dia a dia dele”.

Essa é a mesma linha do cientista político Antônio Lavareda. “É como se crescesse na opinião pública uma percepção ainda que inconsciente, de que, para além de uma ética de convicções, deve se impor uma ética consequencialista. No fundo, cada vez mais pessoas acham que para o País voltar à rota do crescimento é melhor o Temer ir ficando mesmo”.

Do ponto de vista eleitoral, o pouco empenho do PT em fortalecer os movimentos de rua tem chamado a atenção. “A ausência nas ruas dos movimentos de esquerda, principalmente aqueles ligados ao PT, parece indicar uma mudança de estratégia: a bandeira ‘fora, Temer’ murcha na medida do crescimento das chances eleitorais de Lula, em 2018, que está logo aí. Mais vale deixar o governo Temer à sua própria sorte com a Lava Jato em seu encalço”, disse a professora de Sociologia da Unifesp e pesquisadora do Cebrap Débora Alves Maciel.

Bucci também vê explicação na proximidade com 2018. “Em vez do ‘diretas já’, as pessoas optaram pelo diretas já já. Isso criou uma situação em que a sociedade parece ter decidido que o melhor é esperar”.

As ruas parecem confirmar as teorias. A família Pereira, que em Roraima participou ativamente das manifestações pelo impeachment, veio a São Paulo passear e fazer fotos do pato da Fiesp, na Avenida Paulista. “A gente está cansado, desacreditado, mas ainda apostando em 2018”, disse Paulo César Pereira, de 44 anos. Na mesma avenida, Bruno Haydn, de 27 anos, participante das jornadas de 2013, resume a ausência de “gente na rua” com uma constatação: “Não adiantou nada”.

 

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