Por Gabriela Sá Pessoa / Folha
“Os bancos obrigaram o PT a beijar a cruz. Eu não vou beijar. Se não der, vou ficar assistindo de fora.” Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à Presidência em 2018, assim traçou a diferença de seu pensamento econômico com o dos governos Lula, de quem foi ministro da Integração Nacional (2003 a 2006) e Dilma. Ele falava, na segunda-feira (dia 16), a estudantes da Faculdade de Economia e Administração da USP sobre seu “antagonismo com o rentismo” e sobre a disposição em trazer os “juros para um padrão menor”.
Ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, Ciro defendeu, além da diminuição dos juros, “um ciclo de reindustrialização forçada”. Sua agenda, diz, “converge iniciativa privada e Estado saneado”, oferecendo crédito e renúncia fiscal a setores que considera estratégicos: agronegócio, saúde, defesa e indústria de óleo e gás.
Em que pé está a candidatura do sr.? O sr. disse no início do ano que não tinha vontade de ser candidato concorrendo com Lula.
A Folha deformou minha declaração, nunca deixei de dizer isso: eu não gostaria de ser candidato com ele sendo, o que não quer dizer que eu não serei. Se o Lula for candidato, imediatamente se passionaliza o ambiente. Ódios, rancores, violência — e o país não vai ter um minuto para discutir o seu futuro. Minha candidatura só depende do PDT. Mas haverá sempre o direito do PDT não querendo, eu enfim.
Logo após a publicação da última pesquisa Datafolha, Carlos Lupi, presidente do partido, disse que sua candidatura é ‘imexível’.
Pois é, você veja. Forte isso [risos]. Eu não estou com tensão eleitoral nenhuma. Quero explicitamente criar uma corrente de opinião. Tenho dito claramente: não estou aqui para buscar simpatias, a divisão do Brasil entre coxinhas e mortadelas não cabe. Quero discutir enquanto é tempo ideias, pensares diferentes, exames. Portanto, não é a hora da simpatia. É a hora de pensar.
Lupi tem construído candidaturas estaduais, com palanques avançados para o sr.
A outra agenda é essa: estamos organizando nos Estados. E vai surpreender. A opinião publicada vai se surpreender. Do jeito em que as coisas estão, vou sair com a melhor estrutura de todos.
Que estrutura é essa?
É cedo. Temos já candidato pré-lançado no Rio Grande do Sul, é um quadro que saiu do PT e entra chapa pronta lá com dois senadores e tal. Estamos filiando o Odilon, juiz federal do Mato Grosso do Sul que prendeu os bandidos. Temos o candidato Osmar Dias está na frente das pesquisas do Paraná. E no Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Espírito Santo com o PSB.
Seria um apoio nacional ao senhor, o do PSB?
Não sei, vamos ver. Eles têm o tempo deles. Eu quero muito.
Há um comprometimento da ala paulista do PSB com Alckmin.
Não, eles estão conversando. É natural desta fase, todos estão conversando com todos. Salvo alguns que têm algumas interdições, como eu, que não converso com o PMDB.
Fala-se em um vice para o senhor?
Não, não. Muito cedo, vou deixar para a última hora.
Como o sr. recebeu o resultado da pesquisa Datafolha? O sr. aparece em patamar semelhante ao de Doria e Alckmin.
Com uma diferença: ambos estão sediados em São Paulo, que é 28% do eleitorado. Ambos estão centralmente postos na mídia e eu sou absolutamente marginalizado. A ombudsman da Folha escreveu sobre isso — o que não me desagrada em nada. É normal, tá tudo certo. Porque pesquisa, para um homem vivido como eu, é um retrato de um momento. E a vida não é um retrato, é um filme. E, nesse momento, a pesquisa tem que ser lida com nível de conhecimento, nível de preferência espontânea, nível de preferência induzida, nível de rejeição específica. A dinâmica disso é que dá o potencial. E, mais do que tudo, eleição majoritária tende a ser resolvida de véspera. Ou seja: a tendência, mais ou menos, está definida de véspera e a campanha tenta identificar quem é o intérprete mais fiel identificado com aquela tendência que está posta de véspera. Se você ler a pesquisa, estão querendo um cara experiente, um cara que tenha ficha limpa. Aí eu estou brincando: esse cara sou eu [risos], frase que é do poeta, do Rei [Roberto Carlos].
Ao falar sobre economia aos estudantes, o sr. citou “meu governo” em alguns momentos. O que o sr. disse na palestra integrará sua plataforma de governo?
Não ainda. Porque o candidato interpreta médias. O que vou fazer: estressar essas médias em direção às minhas ideias. Que nesse momento, o combinado com o Lupi, estou propondo a minha contribuição ao debate. E tem coisas polêmicas.
Por exemplo a discussão sobre tributação de heranças, que o sr. colocou?
Por exemplo. Eu estou dizendo que no Ceará cobramos 8%, e não há razão para não se cobrar. Nos Estados Unidos é 40%. Na Europa, entre 32% e 47%. Evidentemente, quando eu for entrar numa aliança, os partidos consultados vão dizer: isso não é oportuno, isso não convém.
A proposta contrariaria interesses.
Contraria o interesse de 0,03% das pessoas. A questão básica é: a que senhor você quer servir? E eu quero servir às maiorias. Sem discriminar ninguém, mas eu quero governar para os pobres.
O sr. coloca a sua candidatura no campo da esquerda?
Acho que não cabe. A proposta minha é no campo da centro-esquerda. Acho que temos que montar uma concretude explícita que reúna os interesses práticos e futuros de quem produz com quem trabalha. Por exemplo, a esquerda tem uma crítica azeda ao agronegócio. Eu respeito profundamente o agronegócio. Evidentemente que não aceito as distorções que um ou outro produzem e que, muitas vezes, se generaliza por conjunto. Não é justa essa generalização. Mas eles, sob o ponto de vista de contas, estão pagando a conta do Brasil, há anos.
Em sua palestra, o sr. falou em sentimentos da população: a felicidade com a redução da inflação e com a melhoria econômica e, depois, o ódio quando o brasileiro perdeu poder aquisitivo.
Ele se sente enganado e fica com raiva mesmo, e com razão.
A campanha de 2018 será trabalhada, sobretudo, sobre o ódio?
Acho, sim. Mas pior do que isso, acho que essa direita que está orientada tecnicamente por interesses estrangeiros vai tentar substituir o temário de empregos, salários, saúde e educação por temários morais, temas de família, religiosos. Porque nesse temário que importa eles perdem o debate. E, nesse outro, eles alcançam alguma afinidade popular, porque nosso povo é cristão, é católico, é neopentecostal. E nessa armadilha eles não me levam.
Como vê o financiamento eleitoral para o ano que vem, com a proibição de doações empresarias? É um problema do Brasil. Você tem a ideia, da nossa moral dominante, de que o poder econômico não se relacionam com o poder político porque o tribunal [Supremo Tribunal Federal, em 2015] disse que não vai acontecer. É uma vã ideia que só prejudicará os homens de bem e as mulheres decentes que fazem política. Porque o poder econômico é um dado irremovível da realidade. E o poder político é um dado irremovível da realidade e onde se privilegiam interesses concretos. Esse poder econômico vai sempre se relacionar —a gente faz a opção de mandar isso tudo para o bastidor, para a clandestinidade. E aí é o paraíso dos picaretas. Trocam conta na Suíça por conta em Cingapura. Trocam conta nas Ilhas Caymann por mala de dinheiro em apartamento, como nós acabamos de assistir. E o presidente veta o limite à contribuição individual, de maneira que nós estamos oficializando que o poder no Brasil, hoje, quer que seja uma plutocracia no lugar da democracia.
E os efeitos da reforma política, com a aprovação da cláusula de barreira para o ano que vem?
Vai continuar tudo como está. A cláusula de barreira é mínima — ela vai deixar sem representação de sete a dez partidos e olhe lá. Não farão falta nenhuma ao país. E a grande mudança que poderia ter acontecido eles adiaram, que é a proibição de coligação proporcional. Eu ainda até imagino que o tribunal pode determinar ainda para esta eleição, porque este é o grande problema: você fazer um mercado de traficância de tempo de TV, eles estão terceirizando o fundo partidário.
Por que disse, na palestra, que Doria é “carta fora do baralho” da eleição presidencial até dezembro?
Porque ele não é do ramo. Torrou o orçamento de São Paulo, queimou as pontes todas. Perdeu o “timing” para fazer acordo por dentro e ser eventualmente candidato a governador. Colidiu com o cara que o inventou. E passou para a população a ideia de que é um carreirista, que só pensa em si, que não tem nenhum compromisso com nada e com ninguém. E saiu para fazer uma ilusão de ótica, passear por aí, receber título de cidadão não sei por onde, tudo factoide, deixando a grande e grave responsabilidade — que seria a decolagem dele— aqui, descuidada. Ele não é do ramo. Como eu sempre disse, é um farsante. Em dezembro, se o Datafolha fizer outra pesquisa, está completamente deslegitimado.
Quem serão os nomes em 2018?
Se o PSDB tivesse juízo, não cometeria esses erros que está cometendo, segurando nas alças do caixão de um governo Temer. E jamais deveria ter deixado esse desgaste em cima do Alckmin. Vai correr atrás do leite derramado, com uma ruptura lá na frente da eleição, quando parecer oportunismo. E o Alckmin terá todo esse desgaste para trás. Aécio está fora de combate, mais um defunto político insepulto dando as cartas no PSDB, que tem quatro ministros no governo. O programa [de TV] do partido faz delação premiada de presidencialismo de cooptação e quem que coopta o ministro do PSDB [Antonio Imbassahy, ministro-chefe da Secretaria de Governo]. Pelo menos funcionalmente, ele é o encarregado de fazer isso, embora quem faça mesmo é o Temer. São erros por cima de erros. Espero que Lula seja absolvido, mas entendo que a candidatura dele é um desserviço a ele e ao país. E acredito que ele é capaz de poder fazer isso. De, absolvido, liderando pesquisa, entender, sem qualquer tipo de constrangimento que ele deveria convocar um grande debate que unificasse as forças progressistas do país. E ele daria o maior exemplo de liderança, de preocupação com o país, e não com mero petismo frustrado com a onda antipetista.
Lula deveria apoiar o sr.?
Não digo necessariamente, senão perco a moral da tese. Evidentemente, não se inventarão candidatos. Mas eu me ponho como um dos possíveis. Não me ponho como “o” candidato. Digo que depende do PDT, só. Mas numa dinâmica grande dessa: imagina o Lula absolvido, pontuando 40% nas pesquisas, ou 35%, dizendo: “Olha, eu entendo que o bom para o país não é rachar. É abrir conversa para unificar o campo progressista, conversar com quem produz. Todo mundo sabe que eu fui presidente, que fiz o que pude fazer, talvez tenha sido imprudente na escolha que fiz dos aliados e tal”.
Na palestra, o sr. disse que ‘os bancos obrigaram o PT a beijar a cruz’ e que não iria beijá-la. Poderia falar sobre essa frase?
Em 2002, foi escrita a Carta ao Povo Brasileiro, por Luís Gushiken e Antonio Palocci. Depois conversei muito com o Lula sobre isso. Ali houve um beija-cruz, mesmo. E a política econômica do Lula foi criptoconservadora. Ele escapou porque pegou o elemento cambial que melhorou muito, e fez muito crédito dirigido para interesses específicos. Mas a política econômica do Lula foi rigorosamente a mesma que a do Fernando Henrique: câmbio flutuante, hostil à indústria —tanto que a desindustrialização continuou sob o Lula —, superávit primário, que foram os maiores do mundo. E a dívida só cresceu. E meta de inflação, inclusive reduzida. Estava numa política importante de melhoria do salário mínimo e, pelas tantas, parou e desregulou pro futuro. Ou seja, tudo o que é estrutural, o Lula beijou a cruz conservadora. Não adianta, se o esquerdismo é a doença infantil do comunismo. Você não é de esquerda porque fala que é. Você é de esquerda pela prática. E ele teve algumas coisas: o salário mínimo subiu de valor, até o limite em que ele congelou. O crédito subiu, mas ele não institucionalizou nada disso. E a rede de proteção social é política social compensatória. Num país de miséria de massa, de fome de verdade, isso não é trivial, é muito importante. Mas também nada disso foi institucionalizado, e nem é o futuro de uma nação como a nossa.
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