Por Carlos Newton

Na grande mídia e na internet,  o Planalto e o lobby da bancada ruralista tentam inutilmente fazer com que prevaleça a versão de que a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, publicada no dia 13 de outubro, representa “um avanço” em relação às normas anteriores, criadas para coibir o trabalho escravo no país e que eram consideradas “referências mundiais” pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela própria Organização das Nações Unidas (ONU), que já protestaram oficialmente, ajudando a desmoralizar ainda mais o país no exterior.

Aqui na “Tribuna da Internet”, vários comentaristas já manifestaram estranheza, dizendo que  na portaria do ministro Ronaldo Nogueira não há qualquer retrocesso e as normas brasileiras se tornaram ainda mais rigorosas contra o trabalho escravo, conforme a versão propalada pela Confederação Nacional da Indústria, que deveria estar mais preocupada com a crescente desindustrialização do país, ao invés de vir dar pitaco em assuntos ruralistas.

POR ALGUNS VOTOS – O fato concreto é que o presidente Michel Temer, para ganhar os votos contra a abertura de seu processo criminal, não teve dúvidas em rasgar a rigorosa legislação brasileira contra o trabalho escravo e reduzi-la a pó, mediante uma simples portaria, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, que é pastor da Assembléia de Deus e sua única ligação com o trabalho na agricultura se limita a função de pastorear rebanhos humanos, mediante pagamento do dízimo.

O pastor/deputado/ministro Ronaldo Nogueira (que Deus salve sua alma…) nem sabe bem o que assinou, a pedido do presidente Temer, mas levou logo uma prensa da procuradora-geral da República Raquel Dodge, que foi pessoalmente ao Ministério do Trabalho para lhe dizer que os trabalhadores rurais brasileiros não merecem ter vida de gado, como diz o grande compositor Zé Ramalho.

TRADUÇÃO SIMULTÂNEA – Para quem insiste em dizer que a Portaria 1.129 representou um avanço, nos limitamos a recomendar a leitura do art. 3º, parágrafo 1º, inciso IV, alinea b. O ardiloso dispositivo determina que “deverá constar obrigatoriamente no auto de infração que identificar o trabalho forçado” a comprovação do “impedimento de deslocamento do trabalhador”.

Em tradução simultânea, fica combinado que, para caracterizar trabalho escravo, passou a ser obrigatório que o trabalhador tenha sofrido restrições ao seu direito constitucional de ir e vir, fora do horário de trabalho. Por exemplo,  ser obrigado a dormir na senzala (digo, no local de trabalho), o que significa crime de cárcere privado (artigo 148 do Código Penal).

A questão é linear. Como os auditores que coíbem o trabalho escravo poderão comprovar esse fato (a restrição ao direito de ir e vir)? Ora. isso não ocorrerá nunca, porque o empregador sempre dirá que o trabalhador é que pediu para dormir na senzala (digo, na fazenda), para não chegar atrasado e ter descontos no pagamento.

ARBÍTRIO DO MINISTRO – Além dessa ardilosa exigência de comprovação de que o trabalhador foi “aprisionado” na fazenda, com seguranças armados e tudo o mais, a Portaria (art. 3º, parágrafo 3º) ainda determina que o ministro do Trabalho passa a ter poder de veto à inscrição do empregado no chamado Cadastro do Trabalho Escravo: “Diante da decisão administrativa final de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos, o Ministro de Estado do Trabalho determinará a inscrição do empregador condenado no Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores a condição análoga às de escravo”.

Ou seja, a punição do responsável por trabalho escravo passa a ser uma decisão política no Brasil, a ser tomada ao bel prazer do locatário do Ministério do Trabalho, que tanto pode ser um pastor de ovelhas evangélicas quanto um pastor de ovelhas de verdade, da bancada ruralista.

 

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