Leticia Mori / BBC Brasil
No ano em que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo completa 85 anos, o presidente da entidade, Marcos da Costa, afirma que o direito de defesa do cidadão nunca esteve tão ameaçado no Brasil desde o fim da ditadura. Além disso, diz que entre os principais motivos para a morosidade da Justiça estão problemas de gestão e mazelas do próprio Judiciário, como excesso de folgas dos magistrados.
Costa concedeu entrevista à BBC Brasil em seu escritório. Na conversa, ele fala sobre delação premiada, candidatura política de membros do Judiciário e se opõe ao foro privilegiado de políticos – tema que será analisado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nesta semana. Também critica os altos pagamentos a juízes e servidores e a decisão do Supremo que permitiu a prisão após condenação em segunda instância.
A Justiça é ineficiente, demorada?
Não era, passou a ser. Quando me formei, há 30 anos, tínhamos o final do processo num tempo muito menor do que é hoje. A Constituição de 1988 ampliou e reforçou direitos, portanto reforçando a cidadania, visou garantir o acesso de todos à Justiça. Mas o Estado em si não se estruturou para dar conta desse processo. Ele não investe na Justiça como deveria. A participação da Justiça no orçamento dos Estados ou da União poderia chegar à 6%, teve ano que chegou a 5,6%. Hoje está girando em torno de 4%.E temos um problema de estrutura do Judiciário, de gestão interna. Temos juízes com férias de 60 dias, temos juízes que não trabalham de segunda a sexta, temos desembargadores que não vão todos os dia ao Tribunal de Justiça. E temos recesso forense em janeiro e julho nos tribunais superiores. Agora mesmo, um feriado que era de sábado (o Dia do Servidor Público, em 28/10) foi antecipado (pelo STF) para sexta feira (3/11), para permitir que as pessoas pudessem emendar. Ou, quando teve Sexta-feira Santa, a Justiça Federal fechou na quarta. Você vê magistrados dando aula durante o expediente. Essa é uma situação que o CNJ deveria enfrentar. Que dê aula à noite, aos fins de semana, em horários que não vão coincidir com o expediente. É a falta de uma visão interna onde a Justiça discuta suas próprias mazelas, sua própria estrutura. E tem o fato de que esse Estado que não investe é o maior demandante da Justiça. Temos algo como 100 milhões de processos. Desses, 50 milhões são executivos fiscais. Dos dez maiores demandantes da Justiça do Trabalho – que é uma Justiça de caráter mais privado -, oito são entidades do Estado. Ele concorre com o cidadão na demanda por Justiça.
Como falar de falta de investimento na Justiça quando a gente vê altos pagamentos para magistrados, casos de juízes que têm recebimentos muito acima do teto?
Isso é outra coisa. A Ordem faz uma denúncia em relação aos acréscimos que são pagos. Eles são decididos em processos administrativos internos, onde não há o contraponto de uma outra parte permitindo que se avalie se esse pagamento é devido. Os salários são adequados aos limites estabelecidos pela Constituição. O problema são os acréscimos. Por exemplo, o auxílio-moradia (que estava previsto em lei federal apenas para membros do Ministério Público Federal e acabou sendo estendido à magistratura). Qualquer despesa nova precisa definir a fonte de custeio e precisa ser por lei, no Congresso Nacional ou nas Assembleias Legislativas, onde é possível a sociedade se manifestar a favor ou contra. Tivemos nessa semana uma notícia que foi autorizado no Rio o chamado auxílio-peru (pagamento de R$ 2 mil como abono de Natal) para servidores do Poder Judiciário. O Rio de Janeiro não consegue nem pagar o 13º (de servidores públicos) de 2016… E o Judiciário se autopromove esse pagamento? São disparates que não podemos mais aceitar.
A corrupção também atinge o Judiciário?
Não acredito que haja um grau de corrupção dentro do Judiciário que justifique dizer que ele está comprometido. Existem casos, que são analisados. O que penso é que processo criminal contra magistrado e promotor deveria ter prioridade no julgamento, a bem da imagem da Justiça. Porque um magistrado que pratica ato de corrupção é afastado com proventos integrais. Continua recebendo até o processo transitar em julgado (quando não cabe mais recurso).
O excesso de recursos e instâncias não é também responsável pela morosidade da Justiça? A gente vê muitos processos sobre assuntos ordinários chegando ao STF.
São duas coisas diferentes. Uma coisa é discutir a competência do STF, do STJ. Outra coisa é: uma vez que a lei assegura o direito de defesa, ver mitigar esse direito. Então se há um excesso de competência do Supremo, do ministro julgar 11 mil processos por ano, então num ambiente adequado, que é no Congresso Nacional, que se discuta essa competência.
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