Conversar com deputados dá uma sensação de irrealismo agoniado, ainda mais neste clima de últimos dias de paupérie, de começo de fim de governo na pindaíba, em que todo o tempo é consumido por arranjos da eleição, clima de Terça-feira Gorda, “é hoje só”, de últimos dias da liquidação de votos na bacia dos lobbies.
A conversa é sobre reforma da Previdência. O irrealismo é do jornalista, que trabalha em São Paulo e, mesmo depois de décadas neste serviço, ainda não se habituou à ideia de Brasília. Os deputados são de um realismo chão, nu e cru: estão com a maioria dos eleitores, contra a reforma. Dizem que já deram sua cota de sacrifício, por assim dizer: teto de gastos, reforma trabalhista, “injustiças” da Lava Jato.
Não tiveram retorno em termos de popularidade, emendas e prebendas. Sim, é simples assim, sempre foi. A leitora, que é perspicaz, sabe. Mas ainda é estranha a atitude impassível quanto ao risco de ruína lenta, segura e gradual, daqui a uns dois anos.
As conversas são com parlamentares de quatro partidos do centrão e do PSDB, embora a distinção entre centristas e a maioria dos tucanos pareça borrada. Os deputados parecem inamovíveis, indiferentes à sugestão de futuro próximo sombrio. Dizem que não vai ter voto pela reforma. Disseminou-se uma conversa que apareceu na última quinzena, quando o governo mudou sua “estratégia de comunicação”, sua propaganda.
Quase todo deputado conta a mesma história: é preciso esperar o efeito da campanha governista, ver se o povo compra a reforma, confirmação que vai demorar, dizem. Portanto, apenas em fevereiro os deputados poderiam pensar em mudar seu voto.Os deputados têm o receio óbvio de perder a reeleição, notório desde abril, gritante depois de maio, quando se associar ao Michel Temer dos escândalos e das reformas se tornou o beijo da morte na urna. Nesta semana, porém, eram mais notáveis também os comentários sobre a situação dos servidores.
Há pressão política, sindical, mas também simpatia genuína, digamos, e interesse familiar e de grupo. A parentela parlamentar tem montes de servidores; amigos e eleitores especiais da “base” são funcionários.
O PSDB, que há 20 anos ainda parecia o “partido das reformas”, negocia emendas para favorecer servidores federais admitidos antes de 2003, os trabalhadores com as aposentadorias mais privilegiadas do país, quiçá do planeta. O adiamento do reajuste dos servidores, parte do pacotinho fiscal de agosto, também está para mergulhar no vinagre.
No mais, o clima, ressalte-se, é de Terça Gorda, “é hoje só”: no ano que vem, quase não tem mais governo ou votação importante. Deputados querem ficar bem com ruralistas, concedendo-lhes perdão de dívidas previdenciárias, e com pequenas e microempresas, para quem haverá Refis. Etc.
Pode passar alguma coisa? Rodrigo Maia, presidente da Câmara, volta a se embevecer com a ideia de suceder Temer. Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, começou a campanha para valer. Temer quer ter algum controle sobre sua sucessão e seu foro em 2019. O trio pode fazer mágicas e milagres a fim de aprovar alguma coisa. Mas o clima em Brasília é de realismo nada fantástico.
Fonte: Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo
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