Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Escola de Samba Beija-flor de Nilópolis trouxe para a Sapucaí, no carnaval 2018, uma justa homenagem ao livro “Frankenstein, ou o moderno Prometeu”, de Mary Shelley, que foi publicado originalmente no dia 01 de janeiro de 1818 e que, portanto, acabou de completar 200 anos.
O samba-enredo, comandado por Neguinho da Beija-flor e acompanhado pelo público na Avenida, teve como título “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”.
A ideia do enredo foi do coreografo Marcelo Misailidis, que aproveitou o mote do livro de Mary Shelley de apresentar um monstro criado pelo próprio ser humano e não como uma aberração da natureza. Um monstro que ameaça a ordem social e institucional não por sua maldade intrínseca, mas por ser o resultado de uma estrutura injusta, preconceituosa e excludente, que renega e não cuida das consequências não antecipadas e indesejáveis do modelo que prega ordem e progresso.
A Beija-flor apresentou um Brasil monstruoso e deformado pela corrupção, pela desigualdade, pela violência e pelas intolerâncias de gênero, racial, religiosa, esportiva, etc. As alegorias lembraram muito o icônico desfile “Ratos e Urubus”, de Joãozinho Trinta, de 1989.
A crítica social foi forte. Teve a ala dos roedores dos cofres públicos, a ala dos lobos em pele de cordeiro, a alegoria das transações ocorridas no prédio da Petrobras entre os políticos brasileiros e os empreiteiros. O carro encenando a violência cotidiana do Rio de Janeiro, mostrou crianças morrendo na escola, mães enterrando seus filhos, policiais baleados, caixões, ocorrências de assaltos e vidas devastadas. Vítimas da guerra ao tráfico de drogas e um destaque representou o encarceramento em massa nas prisões do Brasil. Aliás, os tiroteios, os assaltos e os arrastões proliferaram durante a folia de carnaval na Cidade Maravilhosa (cada vez mais monstruosa).
A ala “Imposto dos Infernos” trouxe a crítica às altas taxas cobradas desde o ciclo do ouro (Derrama) e relembrou o Brasil como o país que tem maior carga tributária. A “Corte da Mamata – Quadrilha” no poder trouxe os passistas como ratos e abutres para mostrar os interesses dos líderes políticos, satirizada com colarinhos brancos e caixas de pizza. Na festa pagã, também apareceu a “guerra santa brasileira”, representando a religião na política e o fundamentalismo religioso.
As baianas se vestiram de “santas do pau oco”, prática no Brasil colônia de esconder ouro dentro de imagens de santos. A ala “Ali Babá e os bobos”, mostrou o lucro excessivo dos vendedores de especiarias na era colonial. Mais atual, a ala “Vampiros sanguessugas exercem seus podres poderes”, representa os políticos como “morcegos-vampiros” que sugam o sangue do povo. Não faltou lobo em pele de cordeiro e suas malas de dinheiro.
A Beija-Flor também levou para a avenida a “farra dos guardanapos”, como ficou conhecido o jantar luxuoso que o ex-governador Sergio Cabral promoveu em Paris, no qual políticos e empresários do Rio, bêbados, foram fotografados com guardanapos na cabeça e hoje, a maioria está presa ou sob investigação.
Evitando qualquer ufanismo, contornou a narrativa apologética do Brasil como uma “Terra adorada” e uma amada “Mãe gentil”, para mostrar “Os filhos abandonados da pátria que os pariu”.
Sem dúvida, há uma coincidência entre o fim da onda revolucionária que varreu a Europa no final do século XVIII e a crise lamentável e permanente da Nova República brasileira. O monstro criado por Mary Shelley é também uma metáfora sobre os filhos abandonados da Revolução Francesa e da corrupção dos ideais de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.
Do blog : A escola de samba Beija-Flor de Nilópolis é a grande campeã do Grupo Especial do carnaval 2018 do Rio, com um enredo sobre as mazelas do Brasil, com destaque para a corrupção. Com 269,6 pontos na apuração, a Beija-Flor ficou apenas um décimo à frente da Paraíso do Tuiuti, escola que desfilou com um enredo também de conotação política, com críticas à reforma trabalhista e ao presidente Michel Temer, retratado como vampiro.
 
 

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