A vereadora Marielle Franco (PSOL), 38, foi morta na noite desta quarta (14) na rua Joaquim Palhares, no Estácio, zona norte do Rio. Ela e o motorista do carro em que estavam foram baleados e ambos morreram. Uma assessora que a acompanhava sobreviveu.
A polícia interditou a rua e realiza uma perícia no local. Testemunhas ouviram cerca de dez tiros no momento do crime. Ela voltava do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, uma roda de conversa na Lapa (centro), quando foi interceptada pelos criminosos.
A vereadora era aliada do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que ficou em segundo lugar na eleição para prefeito do Rio.
Freixo e correligionários compareceram ao local do crime. O deputado disse que todas as características indicam ter se tratado de uma execução e que vai cobrar providências.
Segundo ele, nem o partido e nem a família de Marielle sabiam de ameaças contra ela. “Cabe à polícia investigar. Há caminhos para se investigar esse crime”, afirmou. Para ele, a morte de Marielle “é um crime contra a democracia, um crime contra todos nós.” Chorando, disse que a conheceu jovem, há dez anos, quando ela começou a trabalhar com o deputado. “Era uma pessoa muito importante na luta contra o racismo no Rio”, disse ele.
A terceira ocupante do carro, sua assessora de imprensa, vai prestar depoimento à Delegacia de Homicídios. Ela foi ferida por estilhaços.
DENÚNCIA
Nascida e criada no Complexo da Maré, uma das regiões mais violentas da cidade, Marielle foi a quinta vereadora mais votada do Rio nas eleições de 2016, com 46.502 votos. Na Câmara, presidia a Comissão da Mulher e, no mês passado, foi nomeada relatora da comissão que acompanhará a intervenção federal na segurança pública do Rio.
O vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), colega muito próximo de Marielle, afirmou que o acompanhamento da intervenção ainda era muito incipiente. No momento, acompanhavam denúncias sobre a atuação da Prefeitura na Vila Kennedy, favela na zona oeste do Rio que foi escolhida como laboratório da intervenção. Na última sexta-feira (9), uma ação de choque de ordem na favela destruiu quiosques de comerciantes e provocou a revolta de moradores.
Marielle era contra a ação. No mês passado, ela disse que a intervenção federal era uma farsa. “E não é conversa de hashtag. É farsa mesmo. Tem a ver com a imagem da cúpula da segurança pública, com a salvação do PMDB, tem relação com a indústria do armamentismo”, afirmou.
No dia 10, ela publicou um texto em suas redes sociais denunciando abusos do 41º batalhão da PM contra moradores da favela de Acari. “Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, dizia um trecho.
O 41º batalhão é historicamente um dos que mais registrou mortes em decorrência de oposição à intervenção policial. Foi lá que Maria Eduarda da Conceição, 13, foi morta a tiros em frente à escola onde estudava, em março de 2017.
Freixo disse que não acredita que as denúncias de Marielle sobre mortes em Acari tenham relação com o crime. “Muitos fizeram denúncias, inclusive ela, que é o que cabia a ela como figura pública, mas foram denúncias genéricas, e não contra um grupo específico.”
Tarcísio também disse que ela jamais havia relatado nenhuma ameaça. Como eram amigos e trabalhavam juntos, acredita que saberia se houvesse.
Ele disse ainda que a morte de Marielle não muda a posição do partido contrária à intervenção federal na segurança pública. “Essa era também a posição e seria a vontade dela”, disse ele. Segundo ele, o partido teme que haja um desejo de que a intervenção seja mais dura após o crime.
TRAJETÓRIA
Socióloga e mestre em administração pública, escolheu a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), idealizada pelo governo de Sérgio Cabral, como tema da tese de mestrado na UFF (Universidade Federal Fluminense) —o título do trabalho é “UPP: a Redução da Favela a Três Letras”.
Atuou em organizações como a Brasil Foundation e o Ceasm (Centro de Ações Solidárias da Maré) e, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), assessorou Freixo na coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos.
Marielle foi mãe aos 19 anos. Em seu site, ela afirma ter iniciado sua militância em direitos humanos após ingressar no curso pré-vestibular da comunidade e perder uma amiga, “vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré”.
REPERCUSSÃO
O governo federal afirmou que toda a apuração do assassinato da vereadora e informou que o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, falou com o interventor federal no estado, general Walter Braga Netto, e colocou a Polícia Federal à disposição para auxiliar em toda investigação.
Por meio de nota, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), lamentou “o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco cuja honradez, bravura e espírito público representavam com grandeza inigualável as virtudes da mulher carioca”.
Em nota, o PSOL exigiu apuração imediata e rigorosa do crime e destacou a atividade política da vereadora. “A atuação de Marielle como vereadora e ativista dos direitos humanos orgulha toda a militância do PSOL e será honrada na continuidade de sua luta”.
O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, disse que vai cobrar uma imediata e rigorosa apuração do crime. “A OAB/RJ não vai descansar enquanto os culpados não forem devidamente punidos. Os tiros contra uma parlamentar eleita e em pleno cumprimento do mandato atingem o próprio Estado democrático de Direito”, disse.
Em nota, a Anisita Internacional disse que o estado deve garantir uma investigação imediata e rigorosa do assassinato da vereadora.
“Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial. Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco.”
VIOLÊNCIA
O Rio de Janeiro passa por uma grave crise política e econômica, com reflexos diretos na segurança pública. Desde junho de 2016, o estado está em situação de calamidade pública e conta com o auxílio das Forças Armadas desde setembro do ano passado.
Não há recursos para pagar servidores e para contratar PMs aprovados em concurso. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem combustível para o carro das corporações. Faltam equipamentos como coletes e munição.
A falta de estrutura atinge em cheio o moral da tropa policial e torna os agentes vítimas da criminalidade. Somente neste ano, 16 PMs foram assassinados no estado —foram 134 em 2017.
Policiais, porém, também estão matando mais. Após uma queda de 2007 a 2013, o número de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial está de volta a patamares anteriores à gestão de José Mariano Beltrame na Secretaria de Segurança (2007-2016). Em 2017, 1.124 pessoas foram mortas pela polícia.
Em meio à crise, a política de Unidades de Polícia Pacificadora ruiu —estudo da PM cita 13 confrontos em áreas com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016. Nesse vácuo, o número de confrontos entre grupos criminosos aumentou.
Com a escalada nos índices de violência, o presidente Michel Temer (MDB) decretou a intervenção federal na segurança pública do estado, medida que conta com o apoio do governador Luiz Fernando Pezão, também do MDB.
Temer nomeou como interventor o general do Exército Walter Braga Netto. Ele, na prática, é o chefe das forças de segurança do estado, como se acumulasse a Secretaria da Segurança Pública e a de Administração Penitenciária, com PM, Civil, bombeiros e agentes carcerários sob o seu comando. Braga Netto trabalha agora em um plano de ação.
Apesar da escalada de violência no Rio, que atingiu uma taxa de mortes violentas de 40 por 100 mil habitantes no ano passado, há outros estados com patamares ainda piores.
No Atlas da Violência 2017, com dados até 2015, Rio tinha taxa de 30,6 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 58,1 de Sergipe, 52,3 de Alagoas e 46,7 do Ceará, por exemplo.
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