O juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato, mandou um recado sutil, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, à ministra do STF Rosa Weber, cujo voto é considerado crucial na decisão sobre conceder ou não habeas corpus ao ex-presidente Lula, em sessão marcada para 4 de abril.
Ao citar a qualidade dos ministros do Supremo, ele mencionou apenas dois: o decano, Celso de Mello, e Weber, a quem fez fartos elogios.
“Tenho apreço especial pela ministra Rosa Weber, com quem trabalhei. Pude observar a seriedade da ministra, a qualidade técnica da ministra”, disse Moro, que foi auxiliar dela no caso do mensalão. “Tenho expectativa de que esse precedente não vai ser alterado”, declarou, em referência à decisão de 2016 da corte, que autorizou a prisão após condenação em segunda instância, caso de Lula.
O Supremo está dividido, com cinco ministros defendendo a prisão e cinco a revisão desse procedimento. Weber deve decidir a questão. Para o juiz, uma revisão da prisão após segunda instância teria “um efeito prático muito ruim”.
“Passaria uma mensagem errada de que não cabe mais avançar. Vamos dar um passo atrás. Seria uma pena.” No programa, Moro criticou ainda o “sistema processual extremamente generoso em relação a recursos” e a utilização indiscriminada de pedidos de habeas corpus.
“No Brasil houve uma certa largueza na utilização do habeas corpus, mesmo quando não há prisão”, disse. “Muitas vezes, quando você não tem prisão, o remédio é o devido processo legal, é esperar o julgamento.”
Questionado sobre o foro especial, o juiz disse acreditar que o Supremo “não é preparado para julgar esses casos” e que é preciso eliminar ou reduzir bastante sua aplicação. “Eu não sou censor do Supremo. [Mas] O foro não funciona muito bem”, afirmou. “As coisas vão mais lentamente no STF”, completou. Moro disse que, como juiz, não pode acreditar na hipótese de que haveria um acordão para frear a Lava Jato.
AUXÍLIO-MORADIA
Confrontado com o fato de receber auxílio-moradia, mesmo tendo imóvel próprio em Curitiba, como revelado pela Folha, Moro disse não falar pelos juízes, mas defendeu que o benefício seja usado para compensar a falta de reajuste salarial. “Não vejo a imprensa abordar que existe esse problema da falta de reajuste de vencimentos há uma longa data”, disse.
Em outro tema espinhoso, Moro respondeu sobre o ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán, investigado na Lava Jato, que acusou o advogado Carlos Zucolotto, amigo e padrinho de casamento do juiz, de tentar mediar acordo paralelo de delação premiada com integrantes da força-tarefa.
“Esse indivíduo fez essas afirmações. É uma fantasia que não existe base concreta”, disse. “O que se tem é uma pessoa acusada de crimes graves. Afirma que é advogado, mas tem US$ 17 milhões bloqueados em Cingapura. Várias pessoas dizem que ele teria envolvimento com lavagem. Inventou essa acusação para ver o juiz afastado do caso”, disse.
Moro foi questionado ainda sobre o filme “Polícia Federal — A Lei é Para Todos” e o seriado “O Mecanismo”, lançados recentemente e inspirados na Lava Jato. Disse que viu ambos. “Os dois produtos têm suas qualidades, mas há uma série de liberdades criativas que são tomadas. Não retratam propriamente a realidade como aconteceu.”
Ele, no entanto, disse haver situações “que conferem com o que apareceu na realidade”. Antes da entrevista, as duas esquinas da quadra onde fica a portaria principal da TV Cultura foram ocupadas por cerca de 40 manifestantes contra e a favor de Moro.
A edição desta segunda foi a última comandada pelo jornalista Augusto Nunes.Participaram da entrevista o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, o diretor de jornalismo do Grupo Estado, João Caminoto, a diretora de Redação da Época, Daniela Pinheiro, o diretor de jornalismo da Bandeirantes, Fernando Mitre, e o jornalista Ricardo Setti.
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