Por Sonia Racy / Estadão

Na disputa eleitoral em curso, que esquenta a partir do dia 31 com propaganda em rádio e televisão, “não dá pra pensar numa estratégia eficiente sem o WhatsApp. E não vai existir a tal separação entre propaganda na TV e as redes digitais”. Esse desenho de campanha é do analista eleitoral Mauricio Moura, do grupo IdeiaBigData. “Vai ser uma batalha entre o celular e a televisão”, resume, nesta entrevista a Gabriel Manzano.

Moura é um dos pioneiros, no País, do uso do chamado microtargeting eleitoral – a análise das pesquisas a partir de segmentos, como o evangélico, o feminino, o de alta renda – que implantou por aqui em 2010. Economista e pesquisador de políticas públicas na George Washington University e em Harvard, autor de livros e ensaios sobre a área, ele aplicou essa técnica nas eleições de Colômbia, Chile, Peru e México. O microtargeting “permite o uso eficaz da inteligência nas campanhas”. Com ele, o candidato “pode direcionar recursos para os nichos onde tem, de fato, potencial de votos”. A seguir, trechos da conversa.

No que o microtargeting difere de outras leituras da pesquisa eleitoral?
O microtargeting busca dados de redes sociais, fatia o eleitorado em segmentos e procura entender as nuances de cada universo, criando abordagens para cada um deles. É muito utilizado nos EUA, onde eu estudo e trabalho. E eu comecei a aplicar a técnica à realidade da América Latina. O que a gente faz é enxergar o eleitorado em segmentos. Por exemplo, os segmentos evangélico, feminino, o rural, o de alta renda.

O cenário pela frente, até 5 de outubro, é de luta mortal entre a tradicional propaganda na TV e os novos meios das redes digitais. Como avalia isso?
Primeiro: não há mais essa separação entre campanha na TV ou digital, é tudo uma coisa só. O conteúdo é todo integrado. Mas há alguns fatores relevantes nessa dinâmica, a começar pelo fato de que o acesso ao smartphone no Brasil aumentou demais. O cálculo é que existam hoje no País 90 milhões de WhatsApps ativos.

O que dá mais de um terço da população brasileira…

E se você comparar com 147 milhões de eleitores, dá mais que a metade. Como a maioria esmagadora desses cidadãos participa de grupos, a discussão política será intensa fora da TV. Fiz uma pesquisa nacional, em abril, na qual 75% das pessoas disseram que já tinham recebido conteúdo político no Whats. E 90% dos consultados esperam receber material eleitoral durante a campanha. Junte esses dados a outro recém-divulgado pelo Facebook, de que as pessoas olham o celular em média 30 vezes ao dia. Conclusão: daqui até outubro, ele vai concorrer diretamente com a televisão.

Terá a mesma ‘audiência’?
O que percebo é que a audiência do programa eleitoral na TV, aquela sequência de 10 minutos, caiu nos últimos tempos. Em 2008 monitorei a procura desses horários em São Paulo e Rio. Ela forma um “U” ao longo da campanha: alta no começo, cai depois para subir na semana final. Esse ápice era de 22 pontos em 2008 e encolheu para apenas 6 pontos em 2016. O que se constata é que a propaganda eleitoral pela TV perdeu a relevância. O que cresceu em importância foram os spots de 30 segundos dos partidos. Eles sim é que podem concorrer com o celular.

Ou seja, os 9 segundos do Bolsonaro poderão ter um peso negativo menor que o imaginado. Essa previsão faz sentido?
Fazemos aqui uma conta sem Lula. Os dois atuais líderes na pesquisa, Bolsonaro e Marina, têm pouco tempo mas isso não significa que estarão inteiramente fora da TV. Eles vão aparecer nos noticiários noturnos. Ali dirão o que pensam, o que estão fazendo, onde… Com o spot na TV o candidato tem seus 30 segundos – e serão 44 inserções diárias. Somem-se o spot, o celular, os telejornais e o resultado é que quem souber trabalhar pode fazer uma campanha eficiente.

Há uma avaliação de que todo o barulho nas redes sociais não muda voto de ninguém. Que é um grito fanático de cada lado. Ou seja, o potencial de mudança de voto nas redes seria mínimo.
Acho que esse é um raciocínio muito para as redes, onde os algoritmos colocam para discussão pessoas que pensam igual. Nesse sentido, essa visão é correta. Mas o WhatsApp não é algoritmo. Ele é aberto, o eleitor vê críticas e defesas de todos os lados, escolhe qual deles quer ver e qual quer apagar. Isso torna possível se criar bolhas de discussão.

Você se referiu, recentemente, ao voto envergonhado, em especial para Trump nos EUA. Vamos ter voto envergonhado por aqui – no caso, para Bolsonaro?
Temos tido vários exemplos de voto envergonhado. O Trump nos EUA, a Marine Le Pen na França, Esta eleição brasileira abriga mais radicalismos que as anteriores e isso é algo a se considerar. Ela pode se tornar um desafio enorme para os institutos de pesquisa, pois em eleições muito apertadas o voto envergonhado pode fazer a diferença. Na eleição do Trump, ele e a Hillary Clinton estavam empatados em alguns Estados, como Flórida e Ohio. Ali ele acabou levando.

Então o que decide mesmo, no final, é a renda?
Ela é a principal variável eleitoral. A eleição sempre teve como fator predominante a economia, coisas como geração de emprego e renda. Mas este ano entraram dois novos temas, a segurança e a corrupção. A Lava Jato igualou os partidos na cabeça do eleitorado. O que pode sair disso? Minha primeira expectativa é que vamos seguir com o aumento dos votos em branco, nulos e abstenções. Esse índice foi de 28,5% em 2015 e chegou a 35% nas municipais de 2016. E no segundo turno destas últimas bateu nos 41%.

 

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