Sobreviventes do terremoto que varreu a política terão de atuar em novas condições.
A crise política se iniciou em 2015, com o estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, e concluiu-se em 2018, com a vitória de um capitão reformado de extrema direita, passando pelo impeachment sem crime de responsabilidade. A sucessão de catástrofes acabou no pior cenário: a ascensão de um admirador da ditadura militar.
Olhada em conjunto, a etapa que deixaremos para trás em 31 de dezembro próximo corresponde à tentativa, com sucesso, de destruir o modelo erguido à sombra da Constituição de 1988. Sempre é bom registrar que o principal agente demolidor foi a Operação Lava Jato, apoiada na maciça e simpática cobertura da mídia.
O sistema anterior, que era também socioeconômico, foi varrido pela combinação de piora material com profusão de escândalos. Nas duas dimensões, o campo popular, comandado por Lula, não deu as respostas necessárias para manter a maioria conquistada em 2002. Os sobreviventes do terremoto —como é o caso do lulismo —podem até dar a volta por cima, mas terão que atuar em condições transformadas.
O espectro ocupado pelo centro e pela direita, por sua vez, deixou-se levar pela tentação do golpe parlamentar e foi tragado pelo candidato que encarnava o verdadeiro espírito golpista.
Agora não adianta chorar sobre o leite derramado: um novo ciclo se abre. A extrema direita ganhou o direito de implementar o seu modelo por pelo menos quatro anos.
Um misto improvisado, bizarro e lúgubre de trumpismo, pinochetismo e olavismo de carvalho está no ar. O anverso propositivo da Lava Jato inaugura-se em 1º de janeiro e o seu perfil ainda é difícil de entender.
No entanto, dois pontos merecem atenção.
O projeto contrarreformista da Lava Jato só conseguiu pleno êxito por ter atuado no terreno da forte baixa econômica. Estivesse o PIB em alta, como 2010, o efeito das descobertas pilotadas desde Curitiba teria sido outro. Decorre que o desempenho da economia continuará a ser chave na etapa que se inaugura dentro de dez dias.
Em segundo, o trabalho de desmontagem da Lava Jato segue o seu curso, agora ameaçando o próprio resultado do processo anterior. A razão é simples. Parlamentar do baixo clero por 27 anos, o atual presidente eleito certamente deve ter participado de todos os hábitos do sistema que depois resolveu implodir.
Na qualidade de vidraça, o presidente da República a partir de janeiro vai levar muita estilingada. Aos que não gostam do programa ora vencedor, resta ter o discernimento de construir, em meio aos estilhaços que vão voar, propostas alternativas para o país.
André Singer – Folha de S.Paulo
Poste seu comentário