Vicente Nunes e Rodolfo Costa / Correio Braziliense

Jair Bolsonaro, 63 anos, assume hoje o comando do país sob um clima de comoção. Embalado por mais de 57 milhões de votos, ele representa uma mudança radical na estrutura política do país. Foi eleito por meio de um partido nanico, o PSL, sem apoio de nenhuma grande legenda. Derrubou a tese de que um bom marqueteiro é vital para garantir a vitória nas urnas — a campanha dele se deu por meio das redes sociais. O militar reformado representa todo o repúdio da população aos políticos tradicionais, que se tornaram símbolos da corrupção que ele prometeu combater de forma veemente. Indica uma guinada radical à extrema-direita, que está ganhando espaço em todo o mundo.

Bolsonaro, sabe, porém, que terá um tempo escasso para mostrar resultados. E é na economia que enfrenta seu maior desafio. Se o país não voltar a crescer e a gerar empregos, o apoio e a confiança — que fez com que cidadãos de todas as partes do Brasil viessem para assistir à posse — vão ruir rapidamente.

PRAZO EXÍGUO – Não por acaso, o novo presidente do Brasil fixou um prazo exíguo para responder aos anseios dos eleitores: 100 dias. Nesse período, ele terá de aglutinar suporte suficiente para aprovar a reforma da Previdência, que, pelas contas de Marcelo Caetano, secretário que respondeu pelo tema no Ministério da Fazenda até ontem, fechou 2018 com rombo superior a R$ 292 bilhões. O buraco no sistema de pensão e aposentadorias aumenta pelo menos R$ 50 bilhões por ano. Sem o ajuste nos regimes público e privado, não haverá como arrumar as contas públicas, hoje, o maior problema do país. Com deficits desde 2014, as finanças do governo são o que a inflação descontrolada representou para o Brasil nos anos de 1970 a 1990.

Ao mesmo tempo em que dão um voto de confiança ao novo governo, investidores e empresários temem o voluntarismo de Bolsonaro. A boa notícia é que o discurso de que não precisará dos partidos para administrar o país já caiu por terra, tanto que várias legendas foram chamadas para conversar e estão, aos poucos, ocupando espaço na Esplanada.

CÂMARA E SENADO – O primeiro grande teste para a governabilidade, no entanto, serão as eleições para a Câmara e o Senado, marcadas para o início de fevereiro. O presidente diz que se manterá distante da disputa, mas qualquer movimento em falso de seu partido pode complicar a tramitação de projetos importantíssimos para o país. O problema é que o PSL se mostra com fissuras: a pacificação da legenda é urgente.

No campo das reformas, que terá o superministro da Economia, Paulo Guedes, como capitão, as mudanças na Previdência serão o primeiro passo. Há uma urgência na revisão da estrutura tributária do país, totalmente disfuncional. As distorções criadas pelas cascatas de impostos empurram a economia para a ineficiência. O que se pede é simplicidade para os contribuintes, neutralidade, transparência e equidade, nada que exista hoje. O resultado disso é um país pouco competitivo, que ainda se ressente de uma educação falha.

CRISES SEGUIDAS – A produtividade apresenta estagnação desde os anos 1980, quando Brasil mergulhou em crises consecutivas. Até então, era a economia que mais crescia no mundo. Entre 1950 e 1980, a média de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi de 7,4% ao ano, taxa sem precedentes. De 1980 até 2016, o avanço médio anual ficou em 2,2%. Entre 2017 e 2018, caiu para 1%.

Essa é a grande razão de o Brasil ostentar um exército de 12,2 milhões de desempregados e 27 milhões de brasileiros que não ganham o suficiente para sobreviver. Por trás dessas estatísticas aparece o crescimento espantoso da violência, que Bolsonaro promete extirpar com políticas rígidas que serão comandadas pelo juiz Sérgio Moro, nomeado para o superministério da Justiça e da Segurança.

É nessa área, por sinal, que deverá vir uma das primeiras medidas do governo: um decreto autorizando o posse de armas. Também é esperado um pacote de medidas preparadas por Moro para o combate ao crime organizado e formação de quadrilha. A meta é fortalecer as investigações contra corrupção e a Operação Lava-Jato. (Colaborou Rosana Hessel)

QUESTÃO INDÍGENA – Há grande expectativa ainda em torno da política de demarcação de terras indígenas, na questão dos direitos humanos e na área ambiental, tema em que o Brasil lidera as discussões no mundo.

Se o governo decidir sair de acordos, como o de Paris, certamente as consequências serão pesadas, sobretudo para a economia, com o fechamento de mercados importantes, como o europeu, para os produtos brasileiros.

Do ponto de vista externo, a percepção clara é de que Bolsonaro terá de restabelecer o protagonismo do Brasil. A despeito de ser uma das 10 maiores economias do planeta, o país se afastou completamente dos grandes grupos de decisão global, muito por ideologia, que continua sendo uma ameaça, dada a postura do novo governo, e pela derrocada econômica iniciada em 2014. O Brasil, dizem especialistas, está isolado demais. O nível de abertura da economia é semelhante ao observado nos anos de 1960. Está completamente atrasado em inovação e tecnologia, perdeu poder de influência e cresce a níveis inferiores à media global.

Para voltar a ser um ator de primeira linha no quadro mundial, o Brasil terá que redefinir as relações com os Estados Unidos, a China, a Europa e os países de seu entorno, especialmente os que integram o Mercosul — grupo do qual ministros de Bolsonaro dizem que o Brasil tem que sair. Assusta, porém, o discurso de alinhamento sem contestação com os EUA defendido pelo novo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Enfim, a partir desta terça-feira, o relógio começou a correr para Bolsonaro. A lua de mel com a população e os agentes econômicos tem prazo de validade. Não há ilusão de que será uma caminhada fácil. Mas o recado é claro. “Bolsonaro terá que chegar chegando. Terá que ser muito rápido na aprovação das reformas, porque o capital não ficará esperando mais promessas. Há muitas incertezas no mercado internacional, que estará mais desafiador. Os investidores não ficarão estendendo o benefício da dúvida por muito tempo”, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Consultoria Tendências.

 

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